Título: Contra gargalos, governo quer investimento privado
Autor: Batista, Henrique Gomes; Nogueira, Danielle
Fonte: O Globo, 15/10/2012, Desafios Brasileiros, p. 7

Novo pacote para modernizar e ampliar portos e aeroportos prevê parcerias

Os investimentos para modernização e ampliação de portos e aeroportos devem ser alvo do próximo programa do governo federal para reduzir custos com transporte no Brasil. A presidente Dilma Rousseff já deixou claro que, para isso, será preciso contar com a parceria da iniciativa privada.

Apesar de se vangloriar de possuir uma matriz energética limpa e eficiente, o Brasil convive com uma matriz logística suja e cara, que reduz a competitividade do país. Se conseguisse reproduzir a eficiência americana nos transportes, a redução nos custos seria de R$ 90 bilhões por ano, calculam especialistas. Além disso, será preciso preparar o país para a Copa de 2014 e os Jogos de 2016.

No setor aéreo, as deficiências são tamanhas que anulam os ganhos conquistados com o avanço tecnológico. Na ponte aérea, o tempo médio de voo era de 50 minutos nos anos 70 e 80. Hoje, com aviões mais modernos e velozes, essa média subiu para uma hora.

UMA HORA NO AR, MAIS US$ 9 MIL

O crescimento do fluxo de passageiros - a média mensal avançou 28,6% nos últimos dois anos - não foi acompanhado pela expansão de pistas e pátios nos terminais. Resultado: os pátios de Santos Dumont e Congonhas não comportam o volume de tráfego aéreo.

Para driblar essa limitação, os aviões ficam dando voltas no ar até receberem autorização para pouso. Uma estratégia cara para as companhias. Segundo estimativas da recém-criada Associação Brasileira das Empresas Aéreas (Abear), cada hora extra no ar representa custo adicional de US$ 9 mil, com combustível, jornada de tripulantes e manutenção das aeronaves.

- Esse custo acaba sendo repassado à sociedade, seja por meio da tarifa ou pela perda de produtividade - disse o presidente da Abear, Eduardo Sanovicz.

A Infraero também vem mudando o modelo de gestão em alguns aeroportos. São Gonçalo do Amarante (RN), Guarulhos (SP), Viracopos (Campinas, SP) e Brasília foram os quatro primeiros a serem concedidos à iniciativa privada. Galeão e Confins (MG) são os próximos, mas há indefinição sobre o modelo, que seria anunciado na primeira quinzena de setembro. O desinteresse de operadores estrangeiros está fazendo o governo protelar a decisão. Com a administração de 66 aeroportos, a Infraero prevê investir R$ 4,9 bilhões até 2014 para modernizar os terminais, mas nem sempre o orçamento é seguido à risca. Em 2012, de R$ 2 bilhões aprovados, só 18% tinham sido desembolsados até julho.

A Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan) aponta a demora no desembaraço de mercadorias nos portos como um dos principais fatores que retiram competitividade da indústria. No Brasil, a média é de 5,5 dias, quase o dobro da mundial (2,9 dias), segundo o Banco Mundial. O gerente de competitividade da Firjan, Cristiano Prado, diz que órgãos que ajudam a desembaraçar mercadorias precisam funcionar 24 horas por dia. Hoje, só cumprem horário comercial.

- Precisamos produzir e enviar logo ao exterior. Nossa capacidade de guardar grãos é um quarto da dos Estados Unidos - afirma Paulo Resende, da Fundação Dom Cabral, ressaltando, porém, que o governo começou a enxergar o setor com visão integrada.

No ranking de desempenho logístico elaborado pelo Banco Mundial em 2012, o Brasil está em 45º, atrás de África do Sul (23º) e China (26º). O ranking, que reúne 155 países, considera itens como infraestrutura de transporte e procedimentos alfandegários. Nesse critério, o Brasil desaba para 78º.

Bruno Lima Rocha, presidente do Sindicato Nacional das Empresas de Navegação Marítima (Syndarma), afirma que os setores de portos e cabotagem sofrem com regulamentação excessiva e burocracia:

- Na greve de funcionários da Anvisa, uma embarcação ficou sete dias em Salvador esperando fiscais.

Malha rodoviária, herança ainda de JK

Aqui, 65,6% da matriz são de estradas. As ferrovias respondem por 19,5%, seguidas por 11,4% do modal aquaviário e 3,5% do dutoviário. O transporte aéreo representa pífio 0,1%. Com isso, o custo logístico no país era de 10,6% do Produto Interno Bruto (PIB, soma de bens e serviços produzidos no país) em 2011, segundo levantamento bienal do Instituto de Logística e Supply Chain (Ilos), contra 7,7% nos EUA.

- Além da herança de Juscelino Kubitschek, que estimulou a malha rodoviária ao incentivar a indústria automotiva, essa matriz é resultado do baixo investimento nas últimas décadas - explicou Maurício Lima, do Ilos.

Rocha afirma que o objetivo previsto no Plano Nacional de Logística e Transporte (PNLT) - que estabelece que em 2025 o transporte marítimo represente 29% da carga transportada do país, contra os 12% atuais - é factível.

Cleber Cordeiro Lucas, presidente da Associação Brasileira dos Armadores de Cabotagem, diz que o país, com quase oito mil quilômetros de costa, ignora ter o meio mais eficiente de transporte.

- Se um navio que vai para a China e perde um dia em um porto brasileiro consegue recuperar parte desse tempo até a Ásia. Mas, na cabotagem, perder um dia é fatal - destaca Cordeiro Lucas.