Título: Reprovados e mal pagos
Autor: Moraes, Diego
Fonte: Correio Braziliense, 04/10/2009, Brasil, p. 10

Estudo mostra que, enquanto o governo brasileiro se esforça para levar as crianças à escola, formação dos professores deixa a desejar. Mesmo que reformulasse o ensino, país levaria duas décadas para se igualar às nações desenvolvidas

Filha de pais analfabetos, Maria de Deus foi a única dos irmãos a frequentar a escola e acabou se formando em letras: ´´Ascensão em todos os aspectos´´

Se o Brasil reformulasse os currículos dos cursos de licenciatura, investisse em formação profissional dos professores, valorização salarial e estrutura das escolas públicas, ainda assim seriam necessárias mais duas décadas para que a qualidade do ensino no país chegasse perto da observada em Estados desenvolvidos. A avaliação é do consultor em educação da Organização das Nações Unidas para a Educação e Cultura (Unesco) no Brasil Célio da Cunha.

A maioria dos professores brasileiros tem curso superior, mas a formação ainda é precária. A categoria está entre as que recebem os menores rendimentos ¿ principalmente em regiões mais pobres do país. Para piorar a situação, é justamente nesses locais onde a profissão é vista como uma das poucas oportunidades de entrada no mercado de trabalho, o que dificulta a ascensão salarial. E é cada vez maior o número de recém-graduados que deixam de lado o magistério para seguir carreiras mais rentáveis.

Esse retrato dos docentes brasileiros está no estudo Professores do Brasil: impasses e desafios, divulgado pela Unesco ¿ um levantamento que reúne dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e de ministérios como da Educação e do Trabalho sobre os 2,6 milhões de professores do ensino básico no país. A conclusão é de que, apesar da expansão do ensino no Brasil, com ampliação do acesso a diversas faixas etárias, os professores e o ensino ainda estão em segundo lugar no plano das prioridades.

¿Ainda estamos muito longe desse que deve ser o objetivo de qualquer país¿, lamenta a coordenadora do estudo, Bernadete Gatti. A pesquisa revela que o Brasil precisa de mais professores de matemática, física e química. E que a maior parte dos estudantes que se formam nessas áreas não pretende levar seus conhecimentos para as salas de aula. ¿A preocupação até hoje foi com a inclusão de crianças na escola, sem levar em conta a qualidade. Mas isso é um processo que tem que ser feito em conjunto¿, diz Cunha.

Falta de valorização desmotiva

A professora de Português Maria de Deus Coelho Rocha, 42 anos, está desde 1986 na rede pública de ensino do Distrito Federal. Hoje, ela mora com o marido e os dois filhos numa confortável casa no Cruzeiro. Quem a vê em sala de aula, sorridente e disposta, mal pode imaginar quantos obstáculos a mulher teve de enfrentar para chegar à carreira do magistério. Deusinha, como é conhecida, nasceu em Barras do Maratuã, há 42 anos. Filha de pais analfabetos, foi a única, entre nove irmãos, a frequentar a escola.

Começou os estudos na zona rural e, aos 9 anos, veio para Brasília trazida por um tio, que era porteiro na Universidade de Brasília (UnB). Concluiu o ensino básico na rede pública e formou-se em letras numa faculdade particular. ¿Foi uma ascensão em todos os aspectos: social, financeiro e pessoal¿, ressalta. Deusinha representa uma parcela significativa dos professores brasileiros: 68,4% estudaram apenas em escolas públicas e 50,9% vêm de famílias de baixa renda.

Reconhecida como uma carreira de prestígio em nações como Coreia do Sul e Dinamarca, até mais que cursos como medicina, por exemplo, o magistério pode ser visto no Brasil como uma oportunidade para que estudantes de baixo poder aquisitivo ou menor escolarização possam chegar ao mercado de trabalho. Essa é uma das conclusões do estudo Professores do Brasil: impasses e desafios, elaborado pela Unesco.

A pesquisa mostra, por outro lado, que a maior parte dos professores ¿ cerca de 26,5% ¿ tem até 29 anos, sendo que 41% desses profissionais lecionam na educação infantil. ¿Os jovens que procuram o magistério buscam uma ascensão social e cultural na profissão e têm um potencial de realização profissional que o Estado não está sabendo reconhecer e valorizar¿, afirma a pesquisadora Bernadete Gatti, que coordenou o levantamento da Unesco. Ela aponta essa falta de valorização como um dos motivos para evasão de professores qualificados das escolas.

Porta de entrada O ofício de professor ainda é dominado principalmente por mulheres no Brasil, onde elas representam 83,1% da categoria. Mas essa proporção diminui na medida em que a escolaridade aumenta. No ensino médio, os homens chegam a ocupar 33% dos postos de trabalho nas escolas públicas e privadas. E, embora a maioria dos professores se declare como ¿brancos¿ (61,3%), o magistério é apontado como uma das portas do mercado de trabalho para negros e pardos.

No ensino infantil, 42% dos profissionais se declararam ¿não brancos¿, mesmo percentual observado no ensino fundamental. Os dados apontam, no entanto, que eles têm menos anos de estudo. Os negros e pardos são maioria entre os professores do ensino fundamental que cursaram somente até o nível médio. Embora a maioria dos professores brasileiros tenha curso superior, é grande a parcela dos que não dominam outro idioma. ¿A formação dos estudantes ainda é precária e os cursos buscam formar professores em pouco tempo¿, critica a pesquisadora Bernadete Gatti. (DM)

Formação Prejuízo para os estudantes Helder Tavares/DP/D.A Press Maria Aparecida diz que não tem tempo para cursar uma faculdade

A Lei de Diretrizes e Bases (LDB) estabelece que os professores precisam ter curso superior para ensinar na educação básica ¿ que abrange do ensino infantil ao nível médio. Mas os profissionais que estão nas salas de aula hoje têm, em média, 14 anos de estudo, enquanto o tempo necessário para concluir os níveis fundamental, médio e superior é de, pelo menos, 15 anos.

Os professores do ensino médio têm, aproximadamente, 16 anos de estudo. Na educação infantil, a média é de 13 anos e, no ensino fundamental, 14 anos. E nem mesmo os professores com diploma universitário saem da faculdade preparados para o magistério. A formação dos docentes no Brasil é o problema crônico da educação brasileira, na opinião de especialistas. O resultado aparece no desempenho dos estudantes em avaliações internacionais ¿ com frequência abaixo das notas de países desenvolvidos.

O estudo da Unesco mostra que mais de 20 mil professores da educação infantil e do ensino fundamental não foram além da 8ª série ¿ e parte desse grupo nem sequer concluiu o antigo 1º grau. ¿Preocupa porque são pessoas sem formação, que desenvolvem apenas o trabalho padrão dentro da escola, o que prejudica o desenvolvimento do aluno¿, diz a pesquisadora Bernadete Gatti. O Ministério da Educação estima que 600 mil professores no Brasil não têm a formação adequada. Por outro lado, 221 mil já fazem mestrado ou doutorado.

Nas escolas de ensino médio, 23 mil professores lecionam sem ter passado por uma universidade ¿ o que corresponde a 4,5% do total de profissionais nesse nível de ensino. O Nordeste tem o maior número: 13 mil docentes do ensino médio sem curso superior. A região também tem a maior quantidade de professores do ensino fundamental sem formação universitária, como Maria Aparecida Ferreira, 50 anos, que ensina há 15 anos na Escola José Sérgio Veras, de Cruzeiro do Nordeste, distrito de Sertânia (PE). Cida, como é conhecida entre os colegas, formou-se em magistério no mesmo colégio e diz que não tem tempo para fazer uma faculdade.

Boa parte dos alunos escolhem a licenciatura mais como uma forma de acesso facilitado ao ensino superior do que um caminho para a carreira nas salas de aula, segundo a pesquisa. ¿Eu fiz vestibular para licenciatura em biologia porque era mais fácil de passar, já pensando em fazer o bacharelado junto¿, reconhece o biólogo Marcelo Dutra.

¿Uma minoria escolhe a licenciatura por vocação. A maioria escolhe por falta de opção¿, avalia o consultor em educação da Unesco no Brasil, Célio da Cunha. (DM)