Título: O estado pequeno que faz diferença
Autor: Godoy, Fernanda
Fonte: O Globo, 14/10/2012, Mundo, p. 33

New Hampshire oscila entre ideologia econômica republicana e valores sociais democratas.

Pequeno enclave independente na Nova Inglaterra cercado de azul (cor do Partido Democrata) por todos os lados, New Hampshire tem apenas 4 dos 538 votos do Colégio Eleitoral, mas magnetismo suficiente para se tornar um ímã que atrai os candidatos presidenciais a uma região que, de resto, é ignorada na campanha. New Hampshire não cobra Imposto de Renda estadual nem imposto sobre vendas. Seus eleitores são moderados, mas não gostam de interferência do governo e apreciam o papel de fiel de balança que exercem na escolha do rumo político do país desde as primárias.

Nas últimas dez eleições, New Hampshire votou seis vezes no candidato republicano e quatro, no democrata, inclusive Barack Obama. Em 2000, os quatro votos do estado foram os que faltaram a Al Gore para vencer George W. Bush - a legislação americana determina que o candidato mais votado leva todos os votos de um estado no Colégio Eleitoral. As pesquisas no estado vinham apontando vantagem para Obama, mas enquete do Instituto Rasmussen, divulgada na quinta-feira, indicou empate entre o presidente e o republicano Mitt Romney.

- New Hampshire tem um dos governos estaduais mais fracos, com menos poderes, de todo o país - diz Colin van Ostern, candidato a membro do Conselho Executivo, um órgão de controle da administração estadual.

Van Ostern decidiu concorrer a uma das cinco vagas do Conselho depois que o estado começou a cortar recursos para planejamento familiar e para creches, além de aumentar o valor das anuidades nas universidades estaduais.

BRIGA TAMBÉM PELO GOVERNO ESTADUAL

O governador John Lynch, que encerra este ano um ciclo de oito anos, é democrata, mas o Legislativo estadual passou a ser controlado pelos republicanos em 2010. New Hampshire é um dos sete, entre 50 estados americanos, que elegem governador este ano, e, assim como na campanha nacional, o tema do tamanho do governo e seu grau de interferência na vida das pessoas é um dos dominantes.

- Temos um governo menor, e não temos tantos serviços disponíveis como em outros lugares, mas provamos que é possível o governo funcionar com menos dinheiro. Viver de forma mais independente faz parte da nossa mentalidade - diz o republicano Mark Laliberte, citando como exemplo o fato de ele e os vizinhos incinerarem o próprio lixo, porque não há coleta na região onde moram.

Com a eleição para governador, os temas locais ganharam muita relevância, e os nomes dos candidatos Ovide Lamontagne (republicano) e Maggie Hassan (democrata) aparecem mais nas placas fincadas nos gramados das casas que os de Romney e Obama. Para os democratas, o grande assunto são os cortes na educação e nos gastos sociais pretendidos por Lamontagne.

Historicamente, os moradores de New Hampshire são eleitores moderados, que podem oscilar para um lado ou outro do espectro político. Kate Derwin, que trocou o mercado financeiro de Boston para ser uma dos 496 mil moradores da zona rural de New Hampshire, reconhece que os problemas na área de educação preocupam as famílias com filhos em idade escolar, mas diz que não há clima no estado para aumento de impostos. Em 2008, ela votou em Obama, mas agora optará por Romney.

- Estou preocupada com a economia, e com o déficit que vamos deixar para nossos filhos. Precisamos de mais austeridade - diz Kate, integrante de uma família que vive na "tríplice fronteira" com Vermont e Massachusetts.

GUINADA REPUbLICANA ASSUSTA MODERADOS

Do outro lado da divisa, a 15 minutos de carro, Castine Echenis, sobrinha de Kate, 21 anos, vive o isolamento conhecido pelos moradores dos estados não decisivos, que passam a eleição inteira sem ver a cara dos candidatos. Formada em Relações Internacionais, Castine quer integrar as Forças Armadas dos EUA e se interessa muito por política. Mas, como todo mundo que vive fora dos estados-chave, não tem esperança de ver os candidatos de perto.

- Os candidatos voam por cima da gente, em Vermont -diz Castine, que chegou a se inclinar por Romney, mas desistiu de votar nele diante das visões conservadoras expressadas pelo republicano em temas sociais, como aborto, planejamento familiar, casamento gay. - Assuntos que dizem respeito à igualdade de direitos são muito importantes para mim. Não consigo lidar com as posições que Romney tem defendido nesses temas, embora suas ideias econômicas sejam mais parecidas com as minhas.

O conservadorismo em temas de comportamento é uma das explicações para a perda de espaço do Partido Republicano em toda essa região do Nordeste dos EUA. Desde os anos 1960, a Nova Inglaterra, berço da civilização americana e antigo reduto republicano, foi se tornando democrata, mas New Hampshire conserva sua posição de estado indeciso. O estado tem uma das maiores rendas per capita do país (US$ 31,4 mil, segundo o Censo), é quase homogeneamente branco (94,6%), e o percentual de pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza (7,8%) é quase metade da média nacional.

Em uma reunião com cerca de 40 pessoas no celeiro da casa de Lorrie Carey, em Boscawen, cerca de 20 minutos ao norte de Concord, capital do estado, a ex-deputada Liz Blanchard, que cumpriu dois mandatos como republicana e agora concorre como democrata, dá outra pista de por que os republicanos perderam espaço.

-Decidi mudar quando percebi que estava votando mais com o outro lado do que com o meu partido. No momento, os republicanos querem privatizar os asilos de velhos e as prisões de New Hampshire. Éramos republicanos moderados, mas perdemos a briga com a direita do partido - diz Liz.