Título: Previsível retorno
Autor: Costa, Célia; Barreto, Diego
Fonte: O Globo, 18/10/2012, Rio, p. 16

Em menos de 4h, metade dos 67 viciados recolhidos volta ao 'curral do crack'.

Sessenta e sete usuários de crack foram recolhidos ontem numa operação da prefeitura na cracolândia que surgiu no Parque União, às margens da Avenida Brasil, em Ramos, entre os tapumes das obras do BRT Transcarioca. Entretanto, menos de quatro horas após a ação ser concluída, mais de 30 viciados já podiam ser vistos no local. Assim que os agentes da Secretaria de Assistência Social e os policiais deixaram a cracolândia, usuários começaram a retornar. No alto do viaduto da Avenida Brigadeiro Trompowski - que liga a Ilha do Governador à Avenida Brasil -, um homem com um enorme pedaço de madeira nas mãos ameaçava quem sem aproximava.

Muitos deles confirmaram que saíram do Complexo de Manguinhos e da Favela do Jacarezinho após as comunidades terem sido ocupadas pela polícia no domingo. Um dos usuários disse que, com a ocupação, ficou difícil comprar a droga naquelas favelas.

- Claro que a gente veio, não estão mais vendendo lá. Aqui ainda estão vendendo, e o preço é bom - contou ele, que se negou a ser internado.

A ação de ontem começou às 7h e foi realizada por 19 funcionários da Secretaria municipal de Assistência Social, entre psicólogos e assistentes sociais, com apoio de policiais da Delegacia de Combate às Drogas (Dcod), da 21ª DP (Bonsucesso) e do 22º BPM (Maré). Entre os recolhidos estavam cinco menores. Uma adolescente de 13 anos, usuária de crack há um, contou que saiu de Manguinhos. Segundo ela, o dinheiro para comprar a droga é, em muitos casos, obtido com prostituição, assaltos ou mesmo com a venda de objetos de casa.

- A gente arruma dinheiro de qualquer jeito. Comecei a usar (a droga) depois de ver a minha mãe usando - disse a menor.

Após a identificação, os menores foram levados para a Central de Recepção Carioca, no Centro, de onde foram encaminhados para abrigos. Já entre os adultos, 20 dependentes químicos recusaram internação e fugiram. Os demais foram encaminhados para o abrigo Rio Acolhedor, em Paciência, na Zona Oeste. Uma das pessoas recolhidas disse que o centro fica perto de um ponto de venda de drogas.

- A droga mata, mas a onda é boa. E dá para comprar perto do abrigo - disse Fabiana Sousa, de 32 anos, usuária de crack há quatro anos.

A Secretaria de Assistência Social negou que haja cracolândias próximas a abrigos da prefeitura. O órgão ressaltou que, no caso dos dependentes químicos adultos - ao contrário do que acontece com os menores -, não pode obrigá-los a ficar internados. Segundo o órgão, uma operação de recolhimento feita na terça-feira no Jacarezinho encontrou uma mulher retirada do mesmo lugar no dia anterior. Ela havia saído do abrigo no mesmo dia.

A delegada titular da Dcod, Valéria de Aragão, disse que os usuários de crack migraram das favelas ocupadas juntamente com traficantes que fugiram para comunidades controladas pela mesma facção criminosa.

- Os usuários vão para junto de seus fornecedores. A solução é manter o trabalho de acolhimento e tratar a questão como um problema de saúde - afirmou a delegada, acrescentando que a cracolândia do Parque União é um problema antigo.

A psicóloga da prefeitura Ethel Vieira, de 44 anos, admitiu que a Secretaria de Assistência Social tem dificuldade para retirar os viciados das ruas. Alguns, no entanto, aceitam a ajuda.

- Ações assim não são enxugar gelo, elas dão resultado. Em cada uma delas, salvamos alguns. Não vou dizer que é metade, mas, se for 10% já é melhor que nada. Eles estão abandonados e conosco recebem assistência - disse.

Abrigo de portas abertas para a favela

Em Paciência, para onde são levados adultos dependentes, um grupo de cerca de 15 pessoas se aglomera em roda na Avenida Hermínio Aurélio Sampaio. Enquanto alguns se sentam e acendem cachimbos de crack, outros perambulam desorientados. A via é o endereço do Rio Acolhedor, principal abrigo para população de rua da prefeitura do Rio e também um dos principais acessos à Favela de Antares, comunidade ainda dominada por traficantes. Desde o último domingo é grande a movimentação de dependentes de crack no entorno da unidade.

Diariamente veículos da Secretaria municipal de Assistência Social desembarcam em Paciência dezenas de adultos recolhidos em operações de repressão às cracolândias. Somente na manhã de ontem foram 42, vindos do Parque União. Mas para muitos dependentes, a chegada ao Rio Acolhedor, que conta com 400 vagas e ontem de manhã serviu café a 427 pessoas, a distância das áreas onde originalmente consumiam droga não representa obstáculo para o vício.

O abrigo mantém os portões abertos 24 horas - a legislação proíbe as internações compulsórias - e não é difícil observar dependentes ganhando a rua e seguindo em direção a Antares. Na tarde de ontem pelo menos quatro abrigados cruzaram o portão e seguiram rumo à favela. Poucas horas antes, uma operação da PM em Antares e na Favela do Rola, em Santa Cruz, apreendeu 40 quilos de cocaína e 19 tabletes de maconha prensada, além 500 balas para fuzil.

O coordenador do Rio Acolhedor, Ademir Treichel, defende uma alteração na legislação que permita a realização de recolhimentos compulsórios em casos extremos. Ele estima em cerca de 80 o número de casos com final feliz, num universo de cerca de quatro mil dependentes químicos e não dependentes que passaram pela unidade desde maio de 2010.

- No abrigo existe uma regra que proíbe o consumo de qualquer droga. Mas não podemos fechar os portões e trancar ninguém. Defendo que em algumas situações deveria ser feita a internação compulsória.