Título: Com EUA e OEA inertes, Brasil aumenta influência
Autor: Vaz, Viviane; Fleck, Isabel
Fonte: Correio Braziliense, 04/10/2009, Mundo, p. 22

Especialistas acreditam que o país se tornou protagonista da busca por uma solução para a crise política e pode se beneficiar ao ocupar um espaço historicamente dominado pelos norte-americanos

Desde que o presidente deposto de Honduras, Manuel Zelaya, chegou à Embaixada do Brasil em Tegucigalpa, há quase duas semanas, o Brasil se tornou um dos principais atores de um conflito do qual, até então, vinha tentando manter uma distância segura. De forma intencional ou não, o envolvimento brasileiro no impasse que completa 100 dias na próxima terça-feira se parece mais com o que seria esperado da Organização dos Estados Americanos (OEA) ou mesmo dos Estados Unidos, que sempre mantiveram a América Central como sua área de influência. Especialistas ouvidos pelo Correio acreditam que a pouca participação ou até omissão desses dois atores abriram o espaço ocupado pelo Brasil, que poderá ainda se beneficiar da projeção adquirida no conflito.

¿O ideal é que houvesse uma forte atuação de organizações multilaterais, como a OEA, preferencialmente, ou a Organização das Nações Unidas (ONU). No entanto, desde o início da crise, o que se tem visto é uma relativa inércia dessas duas instituições¿, observa a professora de relações internacionais da Universidade Estadual Paulista (Unesp) Cristina Pecequilo. Desde que suspendeu Honduras da organização ¿ uma semana após a deposição de Zelaya em 28 de junho ¿, a OEA teve uma atuação bastante limitada a declarações e pedidos de calma a ambas as partes. Na última sexta-feira, contudo, uma missão do grupo chegou a Tegucigalpa para preparar a visita dos chanceleres da OEA que será realizada na quarta-feira.

Para a especialista Shannon O¿Neil, do Council on Foreign Relations (CFR), em Nova York, é visível a incapacidade da OEA em mediar com sucesso a situação entre os dois governos de Honduras. ¿Essa situação nos mostrou os limites da OEA, e a necessidade de outros tipos de intervenção¿, destaca O¿Neil, que lembra a tentativa de mediação de Óscar Arias e seu plano de reconciliação, o Pacto de San José. ¿Mas isso, também, não conseguiu fazer os dois lados conversarem. Assim, outras abordagens se tornaram necessárias, e agora o Brasil é um personagem importante nas negociações em curso¿, afirma.

Em entrevista ao jornal chileno El Mercurio na última semana, o secretário-geral da OEA, José Miguel Insulza, tentou mostrar que a organização não estava apagada diante da atuação do Brasil e, inclusive, que não há ações isoladas. ¿Brasil, Arias e a OEA estão trabalhando juntos por um mesmo objetivo e se trata do mesmo processo¿, disse Insulza. Mas o professor de relações internacionais da Universidade de Buenos Aires (UBA) Raúl Bernal-Meza discorda. ¿A ação brasileira e as decisões no marco da OEA são coisas distintas. Na medida em que a OEA ainda não tomava novas iniciativas foi correto receber Zelaya na embaixada¿, avalia. O especialista, porém, não acredita que isto afete as ações da OEA, onde ¿não existe um absoluto consenso sobre a crise hondurenha e sua resolução¿.

Recuo

Num passado não muito distante, um conflito como o de Honduras seria uma oportunidade para os Estados Unidos exercitarem sua liderança na região. O que se viu desta vez, porém, foi um distanciamento e declarações dúbias, inclusive em relação à atuação brasileira. ¿Há certamente um vácuo de poder norte-americano que o Brasil está ocupando. Mas há também uma evolução da área de influência do Brasil e um recuo dos Estados Unidos de seu tradicional quintal¿, destaca Pecequilo. Para o professor da Universidade de Brasília (UnB) Amado Luiz Cervo, a posição dos EUA é muito mais complexa. ¿A atuação no conflito em Honduras envolve uma questão muito delicada que é uma certa repugnância do país desta linha política bolivariana na região¿, lembra, referindo-se a um possível apoio a Zelaya.

Do outro lado do mundo, o pesquisador do Instituto de Estudos Latino-Americanos da Academia de Ciências Sociais da China Zhou Zhiwei segue atento ao desenrolar dos acontecimentos em Honduras e à atuação brasileira. ¿Zelaya ainda é o presidente de Honduras admitido pela maioria dos países do mundo, então, o que foi feito pelo governo brasileiro, ao aceitá-lo na embaixada, não pode ser chamado de ato unilateral¿, diz. Entretanto, Zhou chama a atenção ao fato de que o Brasil não incentivou uma negociação entre Zelaya e Micheletti, mas só deu suporte para Zelaya pressionar o governo interino. ¿Isso não ajuda na solução do problema em Tegucigalpa¿, afirma.

Cervo vai além: ¿O Brasil se envolveu de uma tal maneira que não pode mais ser mediador¿. Segundo o especialista, agora é a hora de o Brasil deixar que ¿outros atores interfiram¿, como a própria OEA ¿ que ainda poderia reverter sua pobre atuação ¿, o presidente da Costa Rica e até o grupo de parlamentares brasileiros que estiveram na última semana em Honduras. ¿A diplomacia brasileira não está chegando a lugar nenhum, pelo menos essa missão de deputados parece mais isenta¿, observa.

Manifestação convocada

Uma frente composta por grupos sociais contrários à deposição de Manuel Zelaya da presidência de Honduras divulgou ontem um comunicado, exigindo que o governo interino levante o estado de sítio e reabra os meios de comunicação fechados para tornar possível o diálogo e as eleições de novembro. A Frente de Resistência também pediu aos hondurenhos que saiam às ruas amanhã, quando completam 100 dias da crise instalada no país, para expressar seu rechaço ao regime.

O comunicado está assinado por Rasel Tomé, dirigente da Resistência que acompanha o presidente Zelaya, refugiado na Embaixada do Brasil em Tegucigalpa desde 21 de setembro. ¿Não aceitamos a repressão e exigimos a imediata liberdade dos presos políticos e o cessar das violações dos direitos humanos, exigimos que se restitua a frequência da Rádio Globo e do Canal 36, meios de comunicação que foram fechados por este regime¿, assinala Tomé.

A Frente de Resistência, integrada por dezenas de organizações sociais e políticas, condenou o decreto do executivo que, no domingo passado, restringiu as liberdades públicas de locomoção, reunião, organização e expressão de pensamento, assim como os direitos dos detidos. Também exigiu que se levante o cerco militar na Embaixada do Brasil, como pedem as Nações Unidas, assim como a garantia da vida de Manuel Zelaya e seus acompanhantes. Tomé insistiu que, sob as atuais condições, não é possível iniciar um diálogo para pôr fim à crise ou realizar as eleições do mês que vem.

Na última sexta-feira, o presidente interino de Honduras, Roberto Micheletti, anunciou que decidirá amanhã se suspende o polêmico decreto que suprimiu liberdades civis no país. ¿Na segunda-feira, teremos uma reunião do Conselho de Ministros para tomar uma decisão sobre o decreto¿, afirmou. Micheletti disse aos jornalistas que um diálogo entre ele e os simpatizantes de Zelaya foi iniciado. ¿Estamos conversando oficialmente com diferentes setores e com o pessoal que está do lado do Zelaya¿, afirmou o presidente interino, horas depois de se reunir com uma delegação de quatro parlamentares republicanos do Congresso dos Estados Unidos. Ontem, por intermédio de sua assessoria, Zelaya voltou a dar sinais de que pretende negociar.