Título: Entre céu e inferno, o enigma Russomanno
Autor: Roxo, Sérgio
Fonte: O Globo, 07/10/2012, País, p. 26
Candidato do PRB trocou partido, aliou-se à Universal e desmontou estratégias de tucanos e petistas
Celso Russomanno desce do carro sorridente no bairro do Grajaú, no extremo da Zona Sul de São Paulo, na tarde de 5 de setembro. Por mais de meia hora, surfa na popularidade de defensor dos consumidores abraçando eleitores, visitando lojas do comércio e posando para fotos. Sequer o questionamento sobre um polêmico vídeo de um baile de carnaval dos anos 80 em que ele, repórter, aparece apalpando o seio de uma entrevistada tira o seu bom humor. Só depois de responder 12 perguntas de jornalistas, Russomanno sobe no jipe para iniciar uma carreata. Na noite anterior, pesquisa Datafolha tinha mostrado o candidato do PRB com 35% das intenções de voto, o seu maior patamar na eleição paulistana, e uma vantagem de 14 pontos sobre o segundo colocado nas pesquisas, o tucano José Serra.
Na última sexta-feira, exatamente um mês depois, o candidato marcou uma nova carreata na periferia de São Paulo, dessa vez na Zona Leste. O quadro eleitoral agora é outro. Em duas semanas, a sua intenção de voto despencou dez pontos, segundo o mesmo Datafolha. Russomanno, antes poupado, se transformou no principal alvo de ataques dos adversários. O candidato do PRB chega de jipe e, sem qualquer contato com eleitores, inicia a carreta. Por duas horas, roda pela região, mas apenas acena, não tem contato com ninguém. Antes de chegar ao ponto final da carreata, salta do carro, entra em outro e vai embora sem dar entrevista no penúltimo dia da campanha.
Os dois episódios ilustram o céu e o inferno vivido por Celso Russomanno na campanha. Tido como "café com leite" pelos adversários no início da disputa, passou a líder absoluto das pesquisas. Passou a ser questionado pela ligação de seu partido com a Igreja Universal do Reino de Deus e pela fragilidade das propostas apresentadas.
agressividade na reta final
A derrocada fez o candidato, que antes se dizia avesso a ataques, mudar o tom. Deu até tapa na mesa para responder Fernando Haddad, em comercial exibido na última semana da campanha. Para o cientista político Humberto Dantas, professor do Insper, o candidato "se desalinhou" quando virou alvo dos rivais.
Apesar da queda dos últimos dias, o candidato do PRB disputará hoje a prefeitura da maior cidade do país com a certeza de que, no mínimo, mexeu com o xadrez eleitoral paulistano. A popularidade de Russomanno obrigou tucanos e petistas a reverem estratégias de campanha e deixou inquietos o tucano José Serra e o petista Fernando Haddad, que previam um caminho seguro para o segundo turno, até a contagem final dos votos.
Antes de a campanha começar oficialmente, a expectativa dos rivais era que o desempenho de Russomanno fosse semelhante ao da eleição de 2010 para governador, quando ficou em terceiro lugar com apenas 5,4 % dos votos válidos. Desta vez, turbinado pela alta rejeição de Serra e pelo do desconhecimento do eleitor sobre Haddad, conseguiu romper a esperada polarização entre as principais forças políticas do país.
- A ausência da Marta Suplicy ajudou bastante o Russomanno - avalia Humberto Dantas.
candidatura nasceu em 2011
O projeto da candidatura nasceu em setembro do ano passado, quando Russomanno, prevendo que não poderia disputar a eleição pelo PP, de Paulo Maluf, aceitou se transferir para PRB, o partido ligado à Universal. Em dezembro, ele ganhou um quadro sobre defesa do consumidor num programa matutino da TV Record. A atuação na área havia começado há 22 anos ao filmar a morte da mulher por suposta falta de atendimento em um hospital.
Na virada do ano, já pré-candidato, Russsomanno aparecia em segundo lugar em pesquisa Datafolha, com 16% das intenções de voto, atrás de Serra, que tinha 18%. Haddad estava com apenas 4%.
Em março, o PRB entrou para o ministério da presidente Dilma Rousseff com Marcelo Crivella na pasta da Pesca. A nomeação levantou a suspeita de que o PT pretendia tirar Russomanno da disputa paulistana para favorecer o candidato do partido. Mas prevaleceu a avaliação da ala petista, que acreditava que a presença do candidato do PRB seria útil, pois tiraria votos de Serra. Tanto o tucano quanto Russomanno lutam pelo voto mais conservador. A tese se mostraria furada e foi graças aos votos de eleitores tradicionalmente simpatizantes do PT que ele conseguiu assumir a liderança da corrida municipal.
Até junho, Russomanno não assustava. As coligações do PRB com os nanicos PHS, PT do B, PRP e PTN lhe renderiam apenas um minuto e 20 segundos no horário eleitoral. Mas a dois dias do final do prazo para a definição da união entre os partidos, Russomanno conseguiu um trunfo: por meio do deputado estadual Campos Machado, um dos principais aliados do governador tucano Geraldo Alckmin, fechou com o PTB e garantiu mais 49 segundos na TV.
Mesmo assim, as campanhas de Serra e Haddad acreditavam que os dois minutos e dez segundos de Russomanno seriam insuficientes para que o candidato do PRB deixasse de ser "café com leite". A avaliação é que ele definharia sozinho diante das propagandas mais de três vezes maior do tucano e do petista. Não seria necessário atacá-lo, acreditavam os adversários.
O horário eleitoral começou e, em vez de cair, como apostavam os rivais, Russsomanno subiu e atingiu os 35%, no começo de setembro. O índice não mudou os planos de Serra e Haddad. Do lado tucano, a avaliação era que se deveria escolher um alvo. E o preferencial era o candidato de Lula. Entre os petistas, o medo era bater num candidato com baixos índices de rejeição.
Os ataques da Igreja Católica à campanha do PRB foram os primeiros. No dia 14 de setembro, o arcebispo de São Paulo, cardeal dom Odilo Scherer, divulgou um nota em que ressalta o vínculo de Russomanno com a Universal e acusa a instituição de incitar a intolerância religiosa. Os ataques dos adversários só vieram depois do dia 22, quando uma nova pesquisa colocou Russomanno, depois de um breve oscilação negativa de três pontos, com 35%. Serra e Haddad tentaram, então, associá-lo ao ex-prefeito Celso Pitta (1997-2000).
- Demoraram muito para atacar o Russomanno. Ele pôde nadar com uma certa tranquilidade - diz o cientista Humberto Dantas.
Pelas jornais surgiram denúncias ao longo da campanha, como o oferecimento de serviços de sua ONG de defesa do consumidor para eleitores. Contra os temas incômodos, o candidato adotou um bordão, que soava como apelo:
- Vamos falar de São Paulo? - implorava, pedindo licença para falar de suas propostas, também criticadas.