Título: Um drible no teto salarial
Autor: Vaz, Lúcio
Fonte: Correio Braziliense, 06/10/2009, Política, p. 2

VERBAS PÚBLICAS

TCU entende que brecha na legislação permite que dezenas de parlamentares com acúmulo de aposentadoria com vencimentos da ativa ganhem acima do limite de R$ 25,7 mil previsto pelo STF Relator do processo que define a aplicação do teto, Augusto Nardes emitiu o parecer aprovado

Cadu Gomes/CB/D.A Press - 17/6/09 Deputado e ex- procurador O presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP), acumula o salário de deputado federal com a posentadoria de procurador do Estado de São Paulo. O valor que exceder ao teto constitucional de R$ 25,7 mil poderá ser mantido até a regulamentação do Artigo 37, inciso 11, da Constituição Federal. Três fontes de renda O presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), tem direito a três aposentadorias. Recebe duas, como ex-governador do Maranhão e como ex-funcionário do Tribunal de Justiça daquele estado. Ele abriu mão dos proventos da aposentadoria como ex-presidente da República.

Uma decisão do Tribunal de Contas da União (TCU) permite o acúmulo de aposentadorias do serviço público com salários de parlamentares além do limite do teto constitucional definido pelo Supremo Tribunal Federal (STF): R$ 25,7 mil. A decisão mantém o teto como regra geral, mas diz que a sua implementação, no caso de servidores de esferas de governo ou poderes distintos, depende da regulamentação da Constituição e da criação de um sistema nacional de dados sobre remunerações de ativos e inativos, com informações da União, dos estados e dos municípios, algo que não tem prazo previsto para entrar em funcionamento. Estima-se que poderão ser beneficiados pela decisão do tribunal dezenas de parlamentares do Congresso. Entre eles, os presidentes da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP), e do Senado, José Sarney (PMDB-AP).

Temer é aposentado como procurador do estado de São Paulo, enquanto Sarney tem dupla aposentadoria: como ex-governador e funcionário do Tribunal de Justiça do Maranhão. O presidente do TCU, Ubiratan Aguiar, e o relator do processo que define a aplicação do teto constitucional, Augusto Nardes, são aposentados como ex-parlamentares, mas já sofrem o corte dos vencimentos excedentes a partir do limite de R$ 25,7 mil, porque as duas fontes pagadoras (Câmara e TCU) integram o mesmo Poder e estão na mesma esfera de governo.

A decisão foi tomada pelo tribunal em resposta a uma consulta feita pela Câmara. O TCU havia decidido, inicialmente, que deveria ser respeitado como limite para remuneração, em caso de acúmulo com aposentadoria, o salário dos ministros do STF. O diretor-geral da Câmara, Sérgio Sampaio, e o presidente da Comissão de Turismo, Afonso Hamm (PP-RS), apresentaram recurso em julho deste ano contestando a decisão. Na última quarta-feira, o ministro Augusto Nardes emitiu um parecer, aprovado pelo plenário, que cria a regra transitória.

No relatório, o ministro expôs a dificuldade de aplicação do teto constitucional: ¿Devo reconhecer as dificuldades operacionais que estão a afligir diversos outros órgãos federais para fazer incidir adequadamente o teto constitucional, especificamente quando se trata de servidores cujos pagamentos têm origens em órgãos, governos e/ou poderes distintos¿. O presidente em exercício do TCU, Benjamin Zymler, explicou assim a decisão do tribunal: ¿Se, no limite, a gente considerasse que todos esses casos estariam abrangidos pelo Artigo 37, nós chamaríamos essa norma de eficácia contida, porque faltam as regras de implementação do artigo terceiro da Lei 10.887/2004 (leia quadro).

Dúvidas Zymler tentou desfazer algumas dúvidas geradas pela decisão. ¿O Artigo 37 estabelece o teto constitucional de forma abrangente. Vale para aposentadorias, pensões e vencimentos. O tribunal disse que esse teto vale para proventos de aposentadoria de magistrados que sejam deputados federais. Essa é a regra geral. Agora, existe uma lei que estabelece algumas medidas, pressupostos para operacionalizar a incidência do teto para o caso de proventos somados com remuneração de inativos. É o Artigo 3º da Lei 10.887/2004¿, explicou o ministro.

Ele acrescentou: ¿Qual é o grande problema? Se você tiver alguém recebendo, por exemplo, aposentadoria do estado de São Paulo com a remuneração de deputado, pela União, quem vai fazer o abatimento, como vai ser a questão tributária, o Imposto de Renda, a questão previdenciária? A pessoa pode fazer uma opção por onde receber? Então, é preciso um banco de dados nacional, um sistema integrado de dados, que permita operacionalizar o artigo 37. Isso é algo que depende de uma ação integrada de todos os níveis de governo¿.

Outra dúvida surgida é se a decisão vale para qualquer tipo de aposentadoria ou apenas para magistrados. Zymler entende que terá que ser analisado caso a caso: ¿A resposta do tribunal foi em relação a magistrados. O tribunal se expressa pelas suas decisões. Tudo o que não for decisão do tribunal é opinião. Eu teria que avaliar algum tipo de peculiaridade do procurador, mas acho que isso é um problema geral, para todos os aposentados. Depende de uma avaliação caso a caso¿.

O presidente em exercício foi questionado sobre a situação de um aposentado de um tribunal de justiça de um estado, caso do presidente Sarney. ¿O TCU não disse isso no acórdão, mas, se você perguntar minha opinião como pessoa física, sim, valeria. O Artigo 37 é abrangente. Fala do somatório de qualquer provento, vindo do regime previdenciário público com a remuneração pelo serviço ativo.¿

As decisões do TCU

Regra geral O magistrado inativo, eleito para o Congresso Nacional, poderá receber a remuneração da aposentadoria somada à do cargo eletivo, desde que seja respeitado o limite fixado para os salários dos ministros do Supremo Tribunal Federal: R$ 25,7 mil.

Regra transitória Quando há acumulação de cargos em diferentes esferas de governo ou de poderes, a definição do teto levará em conta dois dispositivos. O primeiro depende da criação de um sistema integrado de remunerações envolvendo União, estados, municípios e o DF. Tal ferramenta está prevista no art. 3º da Lei nº 10.887/2004. Além disso, é necessário criar um padrão, por meio de normatização infraconstitucional suplementar, para determinar a qual teto aplicar o limite e de quem seria a responsabilidade pelo corte de valores excedentes. A mesma norma indicaria qual a proporção do abate nas diferentes fontes, o destino dos recursos decorrentes da redução dos ganhos e se haveria possibilidade de o próprio funcionário optar pela fonte de onde cortaria o salário que superou o teto previsto.