Título: Ruído no diálogo de paz
Autor:
Fonte: O Globo, 19/10/2012, Mundo, p. 48
Farc criticam política econômica de Santos na abertura das negociações, e governo reage
Uma divergência marcou o anúncio da segunda fase do processo de paz entre as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) e o governo, que terá início no dia 15 em Havana. Um líder da guerrilha aproveitou os microfones abertos em Oslo, onde ocorreu a cerimônia, para defender a sua plataforma política e criticar a desigualdade social, os investimentos internacionais e a militarização do Estado colombiano. A atitude levou o chefe da equipe de negociadores do governo, Humberto de la Calle, a rebater, argumentando que o modelo econômico não faz parte da pauta de negociações estabelecida preliminarmente com a guerrilha. Ele elogiou, porém, o comprometimento dos rebeldes com o diálogo. —Nem o modelo econômico, nem a doutrina militar, nem o investimento estrangeiro estão em discussão. A mesa se limitará aos temas que estão na agenda. As ideias que as Farc queiram apresentar lhes pertencem e, uma vez terminado o conflito, terão que fazê-lo sem armas — afirmou de la Calle. — Para que isso se discuta na agenda colombiana, as Farc têm de deixar as armas, fazer política e ganhar eleições. As declarações foram feitas em resposta a Iván Márquez, o líder da equipe de negociadores da guerrilha. Em seu pronunciamento, pouco antes, o rebelde criticara a distribuição de terras feita pelo governo, os investimentos militares — cerca de 6% do PIB — e a desigualdade social no campo. — A paz não significa o silêncio dos fuzis, mas abarca a transformação da estrutura do Estado e a mudança das formas políticas, econômicas e militares — afirmou Márquez. Para León Valencia, ex-militante do Exército de Libertação Nacional (ENL) e especialistas em processos de negociação, a postura da Farc era previsível e não sugere um obstáculo maior. — Acho que (a guerrilha) tentou marcar uma posição, mostrar aos seus combatentes nas montanhas e a quem a segue de que vai defender suas ideias — disse ao GLOBO.
CESSAR-FOGO PREVISTO
O processo de paz lançado pelo presidente Juan Manuel Santos é o quarto desde o início do conflito na década de 1960 e visa a fazer com que as Farc se integrem na vida política do país. A primeira fase, terminada em agosto, gerou a agenda preliminar a que se referiu de la Calle. Ela é composta de seis temas: participação política, fim do conflito, narcotráfico, reparação das vítimas e desenvolvimento agrário. Esse será o primeiro ponto a ser discutido na segunda fase, nos encontros que começam no dia 15. A terceira fase será de implementação do que for acordado nos encontros em Havana. Não há um prazo definido, mas Santos, que concorre à reeleição em 2014, quer que o processo seja concluído até meados do ano que vem. De la Calle deu a entender que um cessar-fogo deverá se estabelecer ao fim da segunda fase. A guerrilha é a favor do fim das hostilidades ainda durante as negociações, mas o presidente Santos é contra: na última tentativa de negociação, o governo de Andrés Pastrana (1998-2002) desmilitarizou uma parte do território colombiano para facilitar os diálogos, mas a guerrilha usou a trégua para se fortalecer. — Queremos falar de cessar-fogo a qualquer momento. Nós não somos uns apaixonados pelas armas — disse Rodrigo Granda, negociador. Em seu pronunciamento, Márquez também tentou eximir as Farc de responsabilidade pelo conflito. A guerrilha foi apresentada como uma força beligerante legitimada pela opressão dos grandes proprietários de terras e exploradores de minérios no país. — Não somos causa, mas resposta à violência do Estado — disse. O negociador-chefe das Farc também insistiu num outro ponto de discórdia entre as duas partes, ao defender a presença física de Simón Trinidad na mesa de negociações — o guerrilheiro está detido nos EUA. O governo sugeriu que ele participe por videoconferência. Apesar das diferenças, o chefe da equipe do governo se disse um “otimista moderado”. — Quero de maneira clara reconhecer que as Farc cumpriram rigorosamente seus compromissos, assim como o governo — disse de la Calle.