Título: Universidade falha no preparo profissional
Autor: Balmant, Ocimara
Fonte: O Globo, 22/10/2012, Desafios Brasileiros, p. 7

Lacuna: Para especialistas e empresas, egressos das faculdades chegam ao mercado de trabalho sem capacitação técnica e comportamento adequado.

Apesar de o mercado reclamar do famoso "apagão de mão de obra", a cada ano mais gente recebe seu diploma de graduação e espalha seu currículo feito spam. Para entender esse paradoxo à brasileira, uma pesquisa ouviu empregadores, egressos de cursos superiores e instituições de ensino. A resposta é simples: como praticamente inexiste diálogo entre as empresas e a academia, a maioria dos formados não está apta a atender às expectativas de um contratante cada vez mais competitivo e exigente. Essa realidade se mede pela própria percepção do egresso: apesar de a maior parte dos entrevistados acreditar que finalizar um curso superior abre oportunidades de trabalho, 30% deles dizem que lhes faltou conhecimento técnico.

- Isso nos sinaliza que ou as instituições não estão ensinando corretamente, ou estão dando ênfase àquilo que não é necessário - diz Thiago Rodrigues Pêgas, diretor do Sindicato das Entidades Mantenedoras de Estabelecimentos de Ensino Superior no Estado de São Paulo (Semesp), entidade que encomendou a pesquisa com a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).

O levantamento foi realizado em Campinas, área com predomínio de empresas mecânicas, de eletrônica, tecnologia, química e alimentícia. A ideia é aplicar em todo o estado de São Paulo:

- Mas essa amostra já sinaliza que, se o país quiser mesmo figurar entre os maiores, precisará aumentar esse diálogo. A indústria já percebe que somos parte da cadeia produtiva. Agora precisamos nos organizar para mudar a imagem que o setor produtivo tem da academia, de que é lenta e pouco afeita a mudanças.

choque cultural

Em meio à falta de sintonia, as grandes empresas recorrem a seus programas de trainee - tão disputados que chegam a ter mais de 500 candidatos por vaga. No Itaú, por exemplo, foram mais de 25 mil inscritos para as 87 vagas do processo de 2012, e a seleção, que tem quatro fases, durou quatro meses.

- Como não existe uma faculdade para banco, o que a gente aproveita é o background matemático e a forma com que esse profissional raciocina. O restante, complementamos no programa - diz Marcele Correia, supervisora da área de pessoas do Itaú.

A lista de aprovados revela uma outra faceta da seleção que também aparece na pesquisa: os programas de trainee de grandes empresas preferem candidatos oriundos de universidades públicas e instituições privadas conceituadas.

- Há um "rankeamento" baseado no mérito que economiza tempo do empregador. No mundo todo é assim. É uma forma de avaliar o talento, não é uma exclusão - avalia Vandick Silveira, presidente do Ibmec.

Além do despreparo técnico, Karina Ude, gestora de recursos humanos da Bosch, diz que falta entendimento do mundo corporativo aos recém-formados:

- É um choque cultural, porque esse profissional chega sem saber como se portar em uma reunião - diz ela, acrescentando que o programa de treinamento da Bosch dura dois anos.

Para Francisco Almeida, um dos coordenadores da HSM Educação, a distância entre mercado e academia é reflexo da tradição brasileira, que avalia e valoriza o professor pelo número de pesquisas e publicações e não pela experiência de mercado.

Desde fevereiro, Augusto Vilela, de 26 anos, faz parte da turma de 83 trainees do Itaú. Mineiro de Belo Horizonte, ele se formou em administração na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) em dezembro de 2010, e já chegou à capital paulista com a carteira assinada pelo banco. Ao perceber que sua formação universitária seria muito teórica, ele buscou experiência na empresa júnior da própria instituição e participou de dois programas de estágio:

- Meus professores eram ótimos, mas muitos nunca tinham atuado no mercado, e as pesquisas que desenvolviam eram extremamente teóricas. Vi que precisava de experiência prática.