Título: Brasil tem déficit de 150 mil engenheiros
Autor: Nascimento, Cristiane
Fonte: O Globo, 22/10/2012, Desafios Brasileiros, p. 10

Gargalo: Mesmo com uma das maiores médias salariais, carreira atrai só 10% dos universitários.

Faltam 150 mil engenheiros no país. Os que estão trabalhando aparecem entre os profissionais mais bem pagos do mercado e, mesmo assim, apenas 10% dos universitários brasileiros cursam carreiras ligadas às engenharias - sem contar os que abandonarão a faculdade. Um cenário que revela um dos gargalos do sistema educacional, com efeitos na produção e inovação da indústria.

Para se ter uma ideia, o país tem hoje seis engenheiros para cada mil pessoas economicamente ativas - nos EUA e no Japão, por exemplo, a proporção é de 25 engenheiros por mil trabalhadores, segundo a Empresa Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), órgão do governo federal. O déficit de 150 mil profissionais foi projetado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI).

- Estima-se que, pelos investimentos que estão previstos, o Brasil precisaria de cerca de 300 mil profissionais de engenharia para os próximos cinco anos - afirma José Tadeu da Silva, presidente do Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (Confea).

Ele cita as empresas que estão se instalando no país, as obras do PAC, a Copa do Mundo e as Olimpíadas:

- Nos últimos dez anos, a média anual de emissões de registros tem sido de 43 mil, o que somaria 215 mil profissionais aptos para o mercado de trabalho em 2016.

A falta de profissionais tornou os engenheiros os trabalhadores mais bem pagos do mercado - ao lado de médicos (também em número inferior ao necessário) e graduados em carreiras militares -, diz estudo do economista Naercio Menezes Filho, coordenador do Centro de Políticas Públicas do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper) e da Universidade de São Paulo (USP).

Com base nos dados do Censo, o economista reuniu informações sobre os 10,6 milhões de brasileiros com diploma universitário em 2010 (e os 5,4 milhões na mesma situação em 2000) e seus respectivos salários. A conclusão foi que, em média, um engenheiro recebe hoje remuneração mensal entre R$ 7.156 e R$ 8.341- valores respectivamente 18,12% e 20,6% superiores aos salários médios da categoria em 2000.

DEMANDA EM ALTA

A valorização do profissional e a sua carência no mercado ocorre porque, na última década, o número de formandos não acompanhou o ritmo dos novos postos de trabalho.

- A demanda aumentou e a oferta diminuiu - afirma Menezes. - A evolução do salário médio se deu porque a economia do país está precisando muito desses profissionais.

Em 2000, o Brasil tinha 141.800 engenheiros civis. Após dez anos, eles eram 146.700. Apesar do leve aumento, a proporção de graduados em engenharia do total caiu de 2,76% para 1,45%. O mesmo aconteceu com medicina. O número de médicos cresceu, entre 2000 e 2010, de 207 mil para 225 mil. E a proporção no total de diplomados caiu de 4,04% para 2,23%.

- É o que chamamos de apagão de mão de obra qualificada - resume Menezes.

Cenários semelhantes ocorrem em outras carreiras tidas como mais técnicas, como as demais engenharias, odontologia, estatística e economia. Apesar de aumentar o número de universitários, cada vez mais os jovens têm procurado os cursos de humanas em detrimento a exatas e biológicas.

O número de jovens formados em administração, por exemplo, subiu de 594 mil para 1,473 milhão entre 2000 e 2010. Entre os diplomados, a participação do grupo subiu de 11,6% para 14,6% no mesmo período. A demasiada oferta teve um reflexo negativo no salário médio da categoria, que caiu 17,8%, para R$ 3.791 em 2010.

pouca oferta

O desinteresse do jovem pelas carreiras de exatas e biológicas, segundo especialistas, está ligado à pouca qualidade da educação básica - que também carece de professores de matemática, física e química, aulas supridas, em muitos locais, por professores de outras disciplinas, sem a formação adequada. Sem aprender os conhecimentos básicos de matemática, o estudante passa a não gostar da disciplina e, assim, dificilmente terá interesse em seguir carreira na área.

Dados do Censo do Ensino Superior, divulgados pelo Ministério da Educação (MEC) na semana passada, mostram que apenas 10% dos universitários estão matriculados em carreiras ligadas a engenharia, produção e construção. O grupo formado por ciências sociais, negócios e direito (que inclui o curso de administração) representa 41% das matrículas. A área de educação (pedagogia e as licenciaturas) tem 21%.

João Luiz Maurity Sabóia, diretor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), destaca também a pouca oferta de vagas de exatas e biológicas nas instituições públicas. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2011, do IBGE, as universidades particulares respondem por 83,2% das matrículas de estudantes no ensino superior.

- A maior parte dessas instituições não está interessada em oferecer cursos de engenharia ou medicina, pois são caros e as pessoas não teriam como pagá-los - diz Sabóia.

O encarecimento dos cursos de caráter técnico se dá, sobretudo, pela necessidade de investimentos em equipamentos, laboratórios e tecnologia.

- Não há como formarmos um médico ou um engenheiro sem que ele tenha posto em prática a teoria que lhe foi passada - afirma Sabóia.

Segundo o diretor de Operações da empresa de recrutamento especializado Robert Half em São Paulo, Fernando Mantovani, as empresas têm se virado como podem:

- Algumas têm deixado, de fato, vagas em aberto; outras estão trabalhando na capacitação de profissionais, oferecendo horas de treinamento - afirma Montovani, que chama a atenção para uma saída adotada por algumas empresas: a importação de mão de obra.

De olho na demanda do mercado, alguns mudam de profissão. É o caso de Thaís Silva Oliveira, de 23 anos. Economista, ela está participando do programa de trainee da multinacional de tecnologia Totvs. O setor apresenta déficit de 30 mil profissionais.

- O dinamismo do setor e a expansão prevista foram alguns dos fatores que me trouxeram para esse mercado - explica ela.