Título: Alto risco especulativo
Autor: Nunes, Vicente
Fonte: Correio Braziliense, 06/10/2009, Economia, p. 14

BC sinaliza que empresas estão fazendo operações perigosas no mercado financeiro ¿ as mesmas que quase faliram indústrias no auge da crise

O governo acendeu o sinal de alerta: indicadores captados pelo Banco Central (BC) e pelo Ministério da Fazenda mostram que várias das empresas estão abusando nas apostas de valorização do real frente ao dólar, criando investimentos tóxicos idênticos aos que quase levaram algumas indústrias à falência durante o período mais agudo da crise econômica mundial. É esse, inclusive, um dos motivos de os preços da moeda americana estarem despencando depois de encostarem nos R$ 2,5 no auge da crise mundial.

¿Infelizmente, o que se constata é que as companhias não aprenderam a lição¿, disse ao Correio um experiente técnico do BC. ¿Bastou a aversão ao risco diminuir um pouco para que as apostas contra o dólar, que está em baixa em todo o mundo, retornassem com tudo¿, acrescentou. O mesmo técnico ressaltou que voltou a prevalecer o pensamento financista, de que o mais importante é o lucro a qualquer custo, que garantirá o pagamento de bônus expressivos aos executivos de empresas e bancos.

Foi esse comportamento que moveu mais de 4 mil empresas no ano passado e obrigou o BC a fazer uma intervenção de quase US$ 33 bilhões no mercado futuro para evitar uma onda de quebradeira tanto de companhias do setor produtivo quanto de bancos que estavam por trás dos negócios. Os casos mais emblemáticos foram os da Sadia, que acabou sendo absorvida pela Perdigão, e do Grupo Votorantim, que foi obrigado a se desfazer de 49% das ações de seu banco para o Banco do Brasil e a fundir a sua empresa de celulose, a VPC, com a Aracruz Celulose, que também perdeu bilhões com a especulação.

Os dados que circulam pelo BC e pela Fazenda mostram que as apostas contra o dólar já encostam nos US$ 8 bilhões, quando somadas as operações fechadas por bancos e empresas na Bolsa de Mercadorias e de Futuros (BM&F) e no mercado à vista. ¿É importante deixar claro que nem todas essas operações são bolhas especulativas. Mas parcela crescente delas tem essa conotação. Disso, não temos dúvidas¿, afirmou um assessor da Fazenda. Para ele, no entanto, o estrago mais visível dessas apostas está na redução das exportações, prejudicadas pelo dólar mais barato. ¿Os números de setembro da balança comercial deixaram isso bem claro¿, assinalou.

Juros e bolsas Apesar do alerta dos técnicos, o diretor de Política Econômica do BC, Mário Mesquita, se mostra tranquilo. Indagado pelo Correio, durante a entrevista do relatório trimestral de inflação, se não há risco de se repetirem os problemas dos derivativos tóxicos, caso uma nova crise abata o mundo, ele respondeu: ¿Além de o Brasil estar sendo beneficiado por um forte fluxo de dólares, parece-me que as empresas aprenderam com a crise. Com certeza, passaram a controlar melhor seus riscos. Mas, de fato, quando essa memória passar, (os exageros) podem voltar. Por isso, estamos sempre monitoramos tudo para evitar problemas¿.

Mesquita ressaltou que a preocupação com novas bolhas especulativas não para de crescer em todo o mundo. ¿Vários bancos centrais, especialmente os de economias maduras, têm debatido esse assunto¿, frisou. O maior receio é com o que acontecerá com os ativos que agora refletem a sensação de que o pior da crise ficou para trás, quando começar o desmonte das políticas de incentivos fiscais e os juros voltarem a subir. Se precauções não forem tomadas rapidamente para corrigir as distorções atuais, os riscos de se repetirem os estragos depois do estouro da bolha imobiliária americana serão enormes.

Para o diretor do BC, está claro que não há como prever bolhas especulativas antes que elas explodam. Mas é possível identificar alguns sinais, como quando os preços dos ativos (moedas, ações, mercadorias) começam a subir aceleradamente sem qualquer relação com os fundamentos macroeconômicos. Ele citou como exemplo o que se vê hoje nas bolsas de valores mundo afora. ¿No Brasil, a alta superior a 60% acumulada este ano na Bovespa (Bolsa de Valores de São Paulo) está associada a projeções otimistas para o crescimento econômico (entre 4% e 5% nos próximos anos)¿, disse.

Mas há casos em que a disparada dos preços das ações está descolada da realidade econômica. Na Rússia, por exemplo, a bolsa já subiu 99,5% desde o início do ano. Mas aquele país está atolado em uma profunda recessão, que não será superada tão cedo. Na Argentina, onde o mercado acionário computa ganhos de 91,3%, a situação econômica também é ruim. E o mesmo se pode dizer da Turquia, com elevação de 80% na bolsa.

Promessas ¿Eu, particularmente, acredito que o governo deve ficar esperto. Mesmo com as projeções otimistas para a economia, há um exagero nos preços das ações¿, afirmou Demétrius Borel Lucindo, analista da Prosper Corretora. ¿Está chovendo dólar nos pregões, principalmente nos de países emergentes, porque as taxas de juros estão baixas em todo o mundo¿, acrescentou. ¿Mas pode escrever: quando os juros voltarem a subir, e, no Brasil, isso deve acontecer já no início de 2010, as bolsas vão sofrer.¿

Na opinião de Eduardo Collor, da Ativa Corretora, o atual processo de supervalorização do real ante o dólar e das bolsas de valores poderia ter sido contido caso os líderes mundiais tivessem cumprido a promessa de regular melhor o sistema financeiro. ¿Muito foi prometido para dar maior transparência e segurança ao sistema, mas nada ainda saiu do papel. Como se sabe, os mercados são dominados pela irracionalidade e pela emoção¿, destacou.

No entender de Mário Paiva, da Corretora BGC Liquidez, ainda que o BC consiga conter os movimentos especulativos no mercado de câmbio, o dólar continuará barato, oscilando entre R$ 1,70 e R$ 1,90 no que resta deste ano e em 2010. ¿O Brasil se tornou um dos maiores recebedores de recursos do mundo, por ter demonstrado uma força impressionante no meio da crise¿, afirmou. ¿E mais: a Bovespa será uma das principais portas de entrada de capitais estrangeiros. Os lançamentos de ações vão atrair muitos dólares para o país¿, complementou.

Dólar cai 0,9%. Bovespa sobe

Uma enxurrada de recursos de estrangeiros levou a Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) a nova máxima em 15 meses ¿ alta de 1,96%, aos 62.369 pontos, maior nível de fechamento desde de julho de 2008. Com isso, a alta acumulada este ano chegou a 66%. Também teve influência o desempenho positivo da Bolsa de Nova York: 1,1%. O cenário otimista e a entrada de dinheiro no mercado doméstico fizeram o dólar cair 0,9% e terminar o dia vendido por R$ 1,76. É a menor cotação desde 8 de setembro do ano passado, quando terminou R$ a 1,73.