Título: Você concorda com os novos 7.623 vereadores?
Autor: Branco, Gil Castello
Fonte: Correio Braziliense, 06/10/2009, Opinião, p. 19

Economista, um dos fundadores da Associação Contas Abertas.

Em 1° de outubro, comemorou-se o Dia Nacional dos Vereadores. Este ano, a festa teve 7.623 novos convidados em decorrência da aprovação da PEC dos Vereadores no Congresso Nacional, apesar da enorme controvérsia relacionada à efetiva necessidade da criação desses milhares de cargos públicos.

De fato, há muitos anos no Brasil discute-se a legalidade do gasto público ¿ o que é essencial ¿ mas debate-se pouco a respeito da necessidade, da prioridade, ou da qualidade das despesas federais, estaduais e municipais.

Quando D. Pedro II disse ¿venderei até o último brilhante da minha coroa para acabar com a seca no Nordeste¿, pensava em prioridades. Dispunha-se a abrir mão das pedras preciosas para aplicar os recursos em infraestrutura social. Na realidade, não fez uma coisa nem outra. A peça imperial, intacta, com todos os brilhantes, está exposta no Museu de Petrópolis, enquanto a seca continua.

No caso da PEC dos Vereadores, mais uma vez perdemos uma ótima ocasião para discutir, com seriedade, a conveniência, a oportunidade e o custo de uma decisão política absurda. O texto chega a dizer que as cadeiras vão aumentar, mas que o gasto vai diminuir, em uma espécie de omelete sem a quebra dos ovos. Essa possibilidade remota de redução das despesas já foi considerada inviável pela Confederação Nacional dos Municípios, que publicou estudo técnico afirmando que espera não a diminuição, mas sim o aumento do custeio das câmaras.

A PEC dos Vereadores foi aprovada com base em interesses políticos partidários. Dessa forma, foi promulgada por enorme maioria dos parlamentares, com 380 votos a favor e apenas 29 contrários. O Brasil passará a ter, assim que a proposta vigorar, 59.611 vereadores. Alguns deles, inclusive, já pretendiam tomar posse, mas foram barrados pelo Supremo Tribunal Federal. Como diria o craque Romário, ¿mal entraram no ônibus e já queriam sentar na janela¿.

Para os deputados e senadores favoráveis à proposição, as câmaras de vereadores constituem a escola dos políticos estaduais e nacionais e contribuem para a melhoria da qualidade de vida das comunidades. Nessa linha de pensamento, mais vereadores significarão melhor representação política, de forma a transmitir os anseios e as reivindicações dos cidadãos ao executivo local.

A sociedade brasileira, entretanto, não pensa assim. Enquete recente realizada em Mato Grosso do Sul, junto a 2.535 internautas, demonstrou que 91% dos participantes são contra o aumento das cadeiras ou a favor da redução do número de vereadores. Em um fórum de discussão aberto pelo portal UOL, expressiva maioria entre os 660 comentários também era contrária à criação dos novos cargos. Muitos internautas, inclusive, reagiram com elevado tom de indignação.

Na prática, os nossos representantes decidiram algo que nós, os representados, não desejávamos. De fato, a sociedade não tem afinidade com a atual classe política. Conforme pesquisa realizada na Universidade de Brasília, sob a coordenação do professor e cientista político Ricardo Caldas, cerca de 90% dos entrevistados em todo o Brasil não confiam nos políticos.

O problema, portanto, não está na quantidade, e sim na qualidade dos eleitos. A prova disso são os elevados índices de renovação a cada pleito. Pesquisas demonstram que o abismo entre representantes e representados cresce nos últimos anos de forma preocupante. Enfim, o aumento do número de vereadores não irá atenuar a descrença da população no Legislativo nem o tornará mais atuante.

Graças às deficiências do nosso sistema eleitoral, o cidadão não entende bem porque vota no fulano e elege sicrano. O candidato eleito, não raras vezes, passa a se lixar para os cidadãos, pois sabe que ninguém fiscalizará as suas atitudes e que a maioria dos eleitores, semanas após comparecer às urnas, nem sequer se lembrará do nome do candidato em quem votou. Daí a necessidade de uma reforma política que discuta, entre muitos aspectos, o voto distrital, na tentativa de aproximar o cidadão do seu legítimo representante.

Apesar das imperfeições do nosso sistema eleitoral e da relação atualmente distante entre votantes e votados, o Legislativo não poderá continuar por muito tempo na contramão do que pensa a sociedade. O país pode precisar de mais de sete mil médicos, policiais ou professores, mas certamente não necessita desses milhares de novos políticos.

Assim, em 1° de outubro, aconteceu uma grande comemoração. Em cima da hora, foram convidados 7.623 novos vereadores. A sociedade não foi à festa, mas vai pagar a conta.