Título: O que querem as mulheres
Autor: Celestino, Helena
Fonte: O Globo, 20/10/2012, Mundo, p. 48
A eleição americana está praticamente empatada a 17 dias da votação. Nas muitas pesquisas diárias, Obama tem vantagem em três, e Romney, em outras duas: três pra lá, um pra cá, tudo dentro da margem de erro. A vitória vai ser apertadíssima mesmo, dizem os analistas. Nada parecido com a situação de quatro anos atrás quando, na mesma época, o então surpreendente candidato democrata liderava com sete pontos. Sob pressão, estrategistas dos dois partidos descobriram que mulheres ainda estão indecisas e podem desempatar esse jogo.
Obama está mais preparado, é o favorito delas. Romney tem um problema: as mulheres, na maioria, acham as políticas dele conservadoras demais e se confundem com as suas constantes mudanças de posição sobre aborto e anticoncepcionais.
No debate da semana passada, os dois foram quase igualmente ruins ao tentar explicar como combateriam as desigualdades salariais entre homens e mulheres. Num tom entre a condescendência e o paternalismo, foram tão cuidadosos ao falar sobre igualdade e direitos reprodutivos que parecíamos estar todos de volta aos anos 50, antes da pílula, do feminismo e das muitas novas formas da família contemporânea.
Já entrou para o folclore político o "fichário cheio de mulheres" de Romney. Foi este o jeito desajeitado usado por ele para contar que nos seus dias de governador de Massachusetts procurou técnicas competentes para compor o secretariado. Esqueceu de dizer que só teve esta preocupação depois da revolta causada pela apresentação de uma equipe só de homens. Também não usou direito o seu fichário porque deixou o governo do Estado com menos mulheres em posições de comando do que encontrou ao tomar posse. E, pior, para mulheres às voltas com filhos pequenos, ele propõe aos chefes serem compreensivos e deixarem as moças saírem mais cedo de vez em quando.
Obama tem uma história melhor: assinou a lei Lily Ledbetter, tornando obrigatórios salários iguais. Também não lembrou da cuidadosa distância mantida pelos democratas de Lily, uma mulher que foi à luta pelos seus direitos. Mais precisamente, recorreu à Suprema Corte para ser ressarcida pelo seu tempo de trabalho com salário inferior aos dos colegas homens. Os juízes disseram não, sob o argumento de que a injustiça era antiga, e, diante do escândalo, um Obama recém-eleito assinou a lei proibindo a discriminação.
Direitos iguais são uma bandeira politicamente correta, mas também fazem bem à economia, defende o trabalho dos economistas Chang Tai Hsieh, Erik Hurst, Charles Jones e Peter Klenow . Eles constataram que 20% do aumento da produtividade nos últimos 50 anos pode ser atribuído às maiores oportunidades para mulheres e negros. "Lugares segregados não crescem", diz Hurst
As estatísticas quantificam realidade fácil de intuir. Se talento não é determinado por raça ou sexo, a sociedade mais produtiva será a mais justa: para cada emprego será escolhido o melhor candidato, não o melhor homem branco. Há 50 anos, 94% dos médicos nos EUA eram homens brancos, bem como 96% dos advogados e 86% dos administradores. Na entrada em massa de mulheres e negros na vida profissional, o homem branco perdeu 4,3% do salário com o aumento da competição. Pouco para explicar a discriminação ainda em vigor nas melhores empresas.
A pergunta que não quer calar: existe mesmo um voto feminino? Pesquisa do Instituto Pew mostra que elas estão preocupadas com a economia (84%) e emprego (82%), exatamente como os homens. Direitos reprodutivos importam, claro, mas estão mais abaixo na lista de assuntos que determinam o voto. Obama lidera entre as mulheres, entre outros muitos motivos, por defender que cabe a elas a decisão de interromper ou não a gravidez e o aborto é reembolsado pelos seguros. No debate, defendeu sua política mas aborto foi a palavra não dita. O republicano, depois de radicalizar durante as primárias, agora defendeu aborto legal em caso de estupro e ameaça à saúde da mãe. E negou a acusação de Obama de que ele quer parar de reembolsar anticoncepcionais. Mas esqueceu, de novo, de contar um pequeno detalhe: foi a favor de uma lei que permitia aos seguros optar pelo não reembolso de pílulas, assim como disse que apoiaria uma emenda constitucional que tornaria ilegais algumas formas de contracepção. Alôoo, estamos na segunda década do século XXI...