Título: Acerto delicado
Autor: Queiroz, Silvio
Fonte: Correio Braziliense, 06/10/2009, Mundo, p. 20

Brasil e União Europeia discutem hoje propostas que levarão à conferência da ONU sobre aquecimento global no fim do ano

Lula com José Manuel Barroso: presidente da Comissão Europeia espera ¿proposta concreta¿ do Brasil para enfrentar mudanças climáticas

Estocolmo ¿ O presidente Luiz Inácio Lula da Silva chegou na noite de ontem à capital sueca, onde participa hoje da 3ª Cúpula Brasil-União Europeia (UE), respondendo às cobranças dos países desenvolvidos sobre a contenção do desmatamento na Amazônia ¿ as mudanças climáticas estão entre os pontos centrais do encontro. Lula argumentou que todos os países têm suas responsabilidades e que a cobrança não deve ser feita apenas às nações com grandes áreas florestais. ¿Os países ricos não podem continuar achando que os países pobres têm de preservar as florestas enquanto eles continuam crescendo¿, disse o presidente na chegada ao Grand Hotel de Estocolmo.

Coordenar posições para a conferência que as Nações Unidas promovem em dezembro em Copenhague ¿ de onde sairá um novo acordo sobre o aquecimento global, que sucederá o Protocolo de Kyoto ¿ é um dos principais assuntos das conversas de Lula com o presidente da Comissão Europeia (CE), braço executivo da UE, José Manuel Durão Barroso. O presidente brasileiro sustentou que a ONU deve monitorar as emissões de gás carbônico de cada país, para que esses dados indiquem ¿o quanto cada um tem de reduzir¿. ¿É preciso fazer com que todos os países, Brasil, Botswana e Namíbia, assumam sua responsabilidade.¿

Lula e Barroso têm um encontro em separado e outro acompanhados de auxiliares. Além disso, se reúnem com um grupo de executivos brasileiros e europeus, nos marcos de um fórum empresarial, e com representantes do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES) e seu equivalente, o Comitê Econômico e Social Europeu. Como anteciparam fontes de alto nível em Bruxelas, Barroso espera do colega brasileiro ¿uma proposta concreta¿ pela qual o Brasil se comprometa com objetivos precisos no combate ao aquecimento global.

As conversas sobre a mudança do clima estão entre os assuntos que o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, aponta como ¿resultados concretos¿ que deverão sair das cúpulas de hoje em Estocolmo ¿ à tarde, em encontro bilateral com o primeiro-ministro Fredrik Reinfeldt, Lula discutirá a parceria estratégica entre Brasil e Suécia. ¿Vocês querem alguma coisa mais concreta do que o ar que vocês respiram?¿, perguntou o chanceler aos jornalistas. Ainda sobre a questão ambiental, o ministro citou os planos conjuntos com a UE para programas triangulares de cooperação com países africanos interessados nos biocombustíveis, nos moldes da iniciativa com a Suécia, que importa de Gana etanol produzido com assistência brasileira.

Amorim ressaltou também as discussões sobre a Rodada de Doha, para liberalização do comércio mundial, e as gestões para retomar negociações sobre um acordo de livre comércio entre a UE e o Mercosul ¿ mas fez questão de frisar que o processo não será oficializado na capital sueca, mesmo porque o Brasil não está exercendo a presidência do Mercosul.

Até o fim de semana, os sherpas ¿ como são chamados, na linguagem diplomática, os funcionários que trabalham na formulação de acordos e declarações ¿ continuavam negociando os termos da declaração, final que será assinada pelos dois presidentes. E, segundo confidenciam em Bruxelas os negociadores europeus, alguns itens seguiam pendentes. Um exemplo era a intenção do Brasil de incluir no texto uma referência a esforços conjuntos contra o comércio ilegal de madeira, uma resposta à cobrança europeia de maior rigor quanto ao desmatamento da Amazônia.

¿O Brasil e a União Europeia se enfrentam em um contexto de negociações¿, disse a jornalistas brasileiros um eurocrata de nível intermediário, envolvido diretamente com as relações bilaterais. Na questão do aquecimento global, que o lado brasileiro classifica como ¿ponto central da cúpula de Estocolmo¿, esse funcionário europeu aponta como objetivo encontrar os termos para ¿dar ao mundo um sinal político conjunto¿. O endereço prioritário seriam os Estados Unidos e outros países desenvolvidos que, na visão de Bruxelas, ¿resistem a adotar metas obrigatórias de redução das emissões de gases causadores do efeito estufa¿.

Iniciativas Pelo lado brasileiro, como definiu um diplomata de escalão elevado, a avaliação sobre as relações com a UE é de que ¿foi feita muita coisa¿ desde a cúpula do ano passado, no Rio de Janeiro, onde foi assinado o plano de ação da parceria estratégica ¿ um status de relação que equipara o país à Rússia, à Índia e à China, sócios do Brasil no Bric. Com 16 mesas de diálogos setoriais instaladas, e contatos frequentes entre representantes técnicos e políticos de diferentes níveis, as iniciativas se sucedem.

A parte da revisão política do andamento da parceria e a expressão de coincidências sobre temas relevantes da agenda mundial, que se traduzirá na declaração final, a expectativa mais concreta em Estocolmo é para que seja acertado o acordo de isenção recíproca de vistos com os últimos quatro países da UE onde o documento ainda é exigido (Letônia, Estônia, Chipre e Malta). Os dois lados concluíram também as negociações políticas para um acordo de cooperação científica pelo qual pesquisadores brasileiros trabalharão em projetos europeus de fusão nuclear, mas detalhes técnico-legais impedem que o documento esteja pronto para assinatura em Estocolmo.

Proposta verde A Europa tem pronta para levar a Copenhague, em dezembro, uma proposta que considera ¿a mais avançada¿ para um novo acordo internacional sobre as mudanças climáticas, substitutivo ao Protocolo de Kyoto. A UE compromete-se a reduzir suas emissões de gases estufa em 20%, ate 2020, com base nos níveis de 1990, além de propor um fundo internacional para ajudar nações em desenvolvimento a buscar formas de energia mais limpas.

O repórter viajou a convite da Comissão Europeia

Caças na agenda

A concorrência para venda de 36 caças à Força Aérea Brasileira (FAB) entrou de carona na agenda oficial, mas não deixará de ser tratada na reunião de cúpula que selará a parceria estratégica entre Brasil e Suécia. Na tarde de hoje, depois da cúpula com a União Europeia, o presidente Lula se reúne com o primeiro-ministro sueco, Fredrik Reinfeldt, que não perderá a oportunidade para reafirmar o apoio de seu governo a Saab, fabricante local do Gripen NG. O avião tenta desbancar o favorito Rafale (francês) e o Super Hornet (americano) com a oferta de cooperação total com empresas brasileiras, do desenvolvimento do projeto à comercialização do caça ¿ além de um custo 50% menor que o dos concorrentes.

¿O governo sueco apoia firmemente a proposta da Saab¿, disse ontem a ministra do Comércio Exterior, Ewa Björling, a um grupo de jornalistas brasileiros. A cooperação no campo da defesa é um dos cinco pontos do plano de ação da parceria estratégica, cujas linhas gerais foram acertadas em Brasília, no primeiro semestre, durante visita da ministra. Ela coordena, no gabinete sueco, os assuntos da associação com o Brasil.

Entre os demais temas, Ewa Björling destaca o ¿encontro natural¿ entre os dois países na promoção dos biocombustíveis. ¿O Brasil é o líder (do setor) na América Latina, e a Suécia é a líder na Europa¿, afirmou. A ministra reiterou a posição sueca a favor da redução ou mesmo eliminação das sobretaxas ao etanol brasileiro na Europa, mas cobrou em contrapartida a plena certificação ambiental e trabalhista do produto, segundo os padrões da UE. A pesquisa conjunta no terreno das energias renováveis é o cerne dos projetos da parceria para o desenvolvimento sustentável.

Com mais de 200 empresas radicadas no Brasil, a Suécia quer também intensificar o comércio e os investimentos, colaborar no campo acadêmico e científico, especialmente nas tecnologias de ponta (inclusive a biotecnologia). Como mecanismo fundamental da parceria, os dois países estabelecerão um mecanismo de consultas que tornará mais frequentes os contatos de alto nível entre os dois governos. Desde a viagem oficial do presidente Lula a Estocolmo, em 2007, o Brasil recebeu cerca de 10 visitas ministeriais suecas. (SQ)

Temas sobre a mesa

Mudanças climáticas Brasil e União Europeia compartilham a noção de que a Cúpula de Copenhague, em dezembro, precisa amarrar um acordo concreto sobre a redução das emissões de gás carbônico, com metas obrigatórias para países desenvolvidos e para economias emergentes, como a da China. Concordam também que é indispensável a adesão dos EUA a um tratado.

Biocombustíveis O Brasil luta para que a Europa se abra para o etanol de cana, como opção viável e disponível para que os 27 países da UE possam cumprir a meta (definida pelo próprio bloco) de chegar a 2020 com participação de 20% de biocombustíveis no consumo total de sua frota de veículos. A queixa brasileira será contra a imposição de sobretaxas ao etanol.

Migração Embora tenham se reduzido os episódios de deportação sumária de brasileiros em visita à Europa, o tema continua causando arestas nas relações da UE não apenas com o país, mas com toda a América Latina. Lula deve tocar na questão com Durão Barroso, e é certo que as discussões seguirão em 2010, na Espanha, que sediará a cúpula entre a UE e a América Latina.

Comércio Os dois lados reafirmarão a urgência de retomar e concluir a Rodada de Doha, no âmbito global, e indicarão a disposição comum de reabrir as conversações sobre um acordo de associação entre a UE e o Mercosul, destinado a estabelecer a maior área de livre comércio do mundo.

Honduras A UE vai reiterar o apoio irrestrito ao Brasil no impasse criado pelo retorno ao país do presidente deposto Manuel Zelaya, refugiado há duas semanas na embaixada brasileira, em Tegucigalpa.

Irã Embora endosse e encoraje a decisão do governo brasileiro de receber em novembro o presidente iraniano, Mahmud Ahmadinejad, Durão Barroso cobrará discretamente de Lula que diga claramente ao colega sua obrigação de submeter-se às resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas e renunciar a qualquer plano de desenvolver armas atômicas.