Título: Portas entreabertas
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Fonte: O Globo, 26/10/2012, Mundo, p. 31

Cuba reduz obstáculos ao retorno de quem fugiu do país, mas benefício ainda é restrito.

Depois de anunciar, no dia 16, leis mais flexíveis para cubanos que querem viajar para o exterior, agora o governo de Raúl Castro avança na direção dos exilados. A partir de 14 de janeiro, mesma data em que entram em vigor as novas regras de saída, caem algumas das barreiras para os cidadãos de Cuba que fugiram e querem voltar a pisar o solo na ilha. No entanto, assim como no caso das medidas anunciadas na semana passada, ainda não será desta vez que as portas de Cuba estarão abertas para todos os seus cidadãos.

Segundo o secretário do Conselho de Estado cubano, Homero Acosta, quem fugiu de Cuba depois de 1994 e está no exterior há pelo menos oito anos terá direito a regressar, mas sempre por um período determinado, nunca em definitivo. Ainda de acordo com Acosta, também será possível voltar por "razões humanitárias", como "cuidar de parentes doentes em Cuba", ou por "outros motivos fundamentados."

As medidas anunciadas anteontem são as mais recentes de uma série de reformas conduzidas pelo governo de Raúl Castro, que substituiu o irmão Fidel na Presidência cubana em fevereiro de 2008. Até o momento, a economia e o funcionalismo público foram os setores que mais receberam mudanças pelas mãos do Estado. A maior parte delas veio no rastro das dificuldades econômicas representadas pela falta de investimento externo em decorrência da crise mundial, assim como dos furacões que devastaram Cuba nos últimos anos - o mais recente deles, Sandy, deixou estragos no Leste da ilha nesta semana. Apesar disso tudo, o regime comunista faz questão de demonstrar que todos esses passos atendem aos seus propósitos:

- Hoje mudamos porque a pátria também está mudando - afirmou Acosta. - As medidas aprovadas foram adotadas por decisão soberana do Estado cubano, não respondem a pressões ou imposições de ninguém. Cuba não busca com elas um certificado de bom comportamento - disse.

dois milhões fora da ilha

Também poderão fazer a viagem de retorno médicos e atletas de alto rendimento que tenham emigrado ilegalmente a partir de 1990, respeitando o tempo mínimo de oito anos fora do país. Estão isentos deste intervalo os cubanos que tenham deixado a ilha com menos de 16 anos, os quais poderão voltar tão logo as medidas anunciadas pelo governo entrem em vigor. Continuarão de fora os que deixaram Cuba por meio da Base Naval de Guantánamo, de acordo com o regime, por questões de defesa e segurança nacional.

Ao menos dois milhões de cubanos passaram a viver no exterior desde 1959, quando Fidel Castro chegou ao poder pela Revolução Cubana - a cifra representa quase 15% da atual população cubana. A grande maioria dos emigrados vive nos Estados Unidos, destino geralmente atingido por meios precários, mas sempre o mais desejado. Somadas, as aberturas de portos cubanos liberadas pelo regime comunista em 1965, 1980 e 1994 motivaram a fuga de 170 mil cubanos para os EUA. E foi justamente esta última, quando quase 40 mil cubanos tentaram chegar à Flórida pelo mar, que levou os governos dos dois países a fechar o acordo pelo qual 20 mil vistos americanos seriam concedidos anualmente a cubanos. Também teve início então a política dos "pés secos, pés molhados" - quem chega ao litoral dos EUA (pés secos) ganha permissão para ficar; já os interceptados no caminho (pés molhados) são reconduzidos a Cuba. De acordo com Acosta, a maior parte dos 400 mil cubanos que moram fora da ilha e a visitaram no ano passado é oriunda dos EUA.

O secretário do Conselho de Estado aproveitou o anúncio das novas regras de entrada para, como noticiou a imprensa oficial, "desmentir a campanha de que o governo cubano não permitia a saída de seus cidadãos até o momento" e mostrar que "a grande maioria dos cubanos que viaja para o exterior volta ao país." Segundo Acosta, entre o ano 2000 e o dia 31 de agosto deste ano, 99,4% dos que pediram o visto de saída receberam o documento, e o restante o teve negado "por razões fundamentadas". No mesmo período, dos 941 mil cubanos que viajaram ao exterior por motivos pessoais, 120 mil não voltaram, ou 12,8% do total, segundo os dados oficiais.

As mudanças nas políticas de migração não avançam por completo sobre a falta de liberdade de movimento dos cidadãos da ilha. O visto de saída, por exemplo, continuará valendo para profissionais considerados vitais pelo regime, como médicos e atletas. O mesmo vale para cubanos com pendências jurídicas - ou seja, a maioria dos dissidentes. Agora, resta saber quem de fato terá permissão para fazer o caminho contrário.