Título: Perda de confiança
Autor: Tavares, Mônica ; Valente, Gabriela
Fonte: O Globo, 27/10/2012, Economia, p. 31
Quinto apagão em um mês afeta 50 milhões e expõe falhas de manutenção
Depois do apagão que deixou sem energia nove estados da região Nordeste e áreas de Tocantins e Pará, afetando mais de 50 milhões de brasileiros na madrugada de ontem, o quinto em pouco mais de um mês, o governo admitiu a fragilidade do sistema de transmissão do país. Pelas contas do ministro interino de Minas e Energia, Márcio Zimmermann, no entanto, teria sido o quarto apagão, desde setembro, provocado pelas mesmas causas. Ontem, após reunião extraordinária do Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE), Zimmermann afirmou que o sistema está perdendo confiabilidade. Para especialistas em energia, o problema está na manutenção e na operação do sistema.
O apagão foi provocado por um curto-circuito seguido de incêndio na subestação de Colinas, região Norte do Tocantins, a 300 quilômetros de Palmas. Segundo Zimmermann, as falhas têm em comum o fato de terem ocorrido em proteções primárias, que não levaram ao acionamento das proteções secundárias, deixando grandes áreas sem luz. Ele reforçou que os acontecimentos não são normais e que isso está levando a uma redução da confiança no sistema elétrico:
- Eventos como esses não são normais e a coincidência então é que é mais anormal ainda. O sistema elétrico brasileiro é um dos maiores sistemas de transmissão do mundo. Sempre trabalha com um nível de confiabilidade bom. E tivemos no último mês, nesses eventos, uma diminuição dessa confiabilidade que ainda não se tem as razões. (...) Não é normal isso. Eu tive falhas em equipamentos, um transformador de corrente em Imperatriz, um de aterramento em Ivaporã, um disjuntor em Samambaia (os três apagões anteriores). Falou a proteção primária.
"Evento rarísssimo de ocorrer"
Zimmermann observou que em um curto espaço de tempo esta foi a quarta ocorrência de grandes proporções.
- É um evento raríssimo de ocorrer, a probabilidade é praticamente zero. É praticamente impossível, mas nós tivemos isto.
Não há falta de investimentos em geração nem escassez de oferta de energia, avaliam os especialistas. Nivalde de Castro, coordenador do Grupo de Estudos do Setor Elétrico da UFRJ, afirma que é necessário tornar as manutenções mais frequentes. Segundo ele, um controle mais rígido pode fazer o sistema ficar mais seguro.
- A repetição dos eventos praticamente toda a semana requer uma revisão de procedimentos de regulação, tornando-a mais rígida. Não estão conseguindo manter a qualidade na manutenção dos equipamentos.
Se considerado o apagão que atingiu o Distrito Federal no começo de outubro, por um problema local, o episódio é o quinto de uma série de falhas no fornecimento de energia que tiveram início em 22 setembro, duas semanas depois de a presidente Dilma Rousseff anunciar uma redução de até 16% na tarifa de energia elétrica residencial e a consequente queda nas receitas das empresas de energia.
O diretor da Coppe, Luiz Pinguelli Rosa teme que o pacote para redução de tarifas provoque corte de custos principalmente em pessoal:
- Apesar de a queda na tarifa ser pequena, empresas de geração e transmissão podem perder até 40% da receita. Isso pode levar a corte de engenheiros, principalmente os melhores que acabam aderindo aos planos de demissão voluntária. Isso aconteceu quando a Light foi privatizada. Demitiu-se técnicos que conheciam o sistema e ocorreu uma série de apagões no Rio.
A subestação de Colinas, onde houve o curto-circuito, é operada pela Eletronorte, mas o problema teria ocorrido em equipamentos de outra empresa, a Taesa. O equipamento está na linha de transmissão responsável por distribuir a energia gerada na Usina de Tucuruí, no Pará, para as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste.
- Na subestação existem equipamentos de várias empresas. Este equipamento que pegou fogo é da Taesa, que presta serviço para a Cemig. Não sabemos ao certo o que aconteceu. Só a Taesa pode dizer - explicou o gerente regional da Eletronorte, Carlos Humberto de Souza e Silva.
ONS descarta sabotagem
Especialistas afirmam que o compartilhamento de linhas por diferentes empresas, previsto no modelo de concessões, cria uma vulnerabilidade.
- Há uma diversidade de equipes e equipamentos. Essa busca pelo menor preço (pelo modelo de leilões de concessões) nem sempre é o melhor caminho - afirma o consultor em energia Roberto Araújo.
O diretor da Taesa, José Ragone, disse que o problema pode ter sido causado por uma raio que provocou uma sobrecorrente na linha de transmissão entre Imperatriz (MA) e Colinas (TO).
Mais cedo, a Operador Nacional do Sistema (ONS) havia informado que um curto-circuito provocou o incêndio na linha de transmissão entre as estações, ambas da empresa transmissora Taesa, cujos acionistas majoritários são a Cemig e um fundo de investimentos. Por causa disso, o sistema de segurança desligou a conexão entre os sistemas do Norte e do Nordeste ao do Sul e Sudeste. O presidente do ONS, Hermes Chipp, negou a possibilidade de sabotagem, mas Zimmermann foi menos enfático:
- Falar nisso por enquanto não teria sentido. Só podemos dizer que são eventos de probabilidade difícil de acontecer e nunca tivemos uma situação dessa.
Uma equipe formada por especialistas de um centro de pesquisa, do ONS e da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) foi enviada ontem mesmo à subestação de Colinas para avaliar o problema.
O ministro disse que foi firmado, com quatro empresas, um protocolo de manutenção quando houve falha na proteção primária no outro apagão. Agora, o governo vai ampliar para todas as transmissoras do Brasil para avaliar corretamente os procedimentos que as empresas estão adotando.
Zimmermann também descartou que os problemas estejam relacionados com a renovação das concessões (parte do pacote para reduzir tarifas) ou com a falta de recursos no setor elétrico.
- Nunca se investiu tanto na expansão da rede como nos últimos dez anos - afirmou o ministro interino.