Título: O que teme o governo
Autor: Feuerwerker, Alon
Fonte: Correio Braziliense, 07/10/2009, Política, p. 4

O incômodo maior no Planalto é com a possível união de todas as forças políticas que hoje se abrigam sob os guarda-chuvas regionais de José Serra e Aécio Neves

Quase tudo vai bem para Luiz Inácio Lula da Silva quando o assunto é 2010. A candidata dele, Dilma Rousseff, atingiu um patamar aceitável nas pesquisas e não precisará partir do zero. Ciro Gomes (PSB) piscou e transferiu o Título Eleitoral para São Paulo. Heloísa Helena (PSol) flerta com a ideia de concorrer ao Senado por Alagoas. Para atrapalhar o plebiscito tão sonhado, resta apenas Marina Silva (PV).

Verdade que ninguém sabe quanto é esse ¿apenas¿. No governismo prevalece a tese, duvidosa, de que a senadora do Acre e ex-ministra do Meio Ambiente terá voo curto. Daí o otimismo palaciano com o andar da carruagem.

Problemas há, mas o Palácio do Planalto aposta que eles não resistirão à força política do presidente. No PMDB, acumulam-se contenciosos estaduais com o PT. Cresce a fila de petistas a enquadrar, para que deixem a cena e abram caminho aos nomes regionais do peemedebismo. Ciro é ainda uma preocupação, mas sem o PCdoB e o PDT (ou seja, sem tempo maior de televisão) duvida-se que o PSB corra o risco do voo solo. E mesmo com todo o ensaio paulista de rebeldia no PT há pouca dúvida de que a legenda se perfilará caso ouça o toque da corneta vindo de Brasília.

Estarão então Lula, o governo e o PT 100% tranquilos? Negativo. Há o problema chamado PMDB. O petismo quer a aliança, mas não chorará lágrimas de sangue se a gorda legenda aliada mergulhar num impasse que a paralise no plano nacional. O que de quebra abriria espaço para uma possível negociação com o PSB, para a definitiva retirada de Ciro Gomes do páreo. O único cuidado necessário seria olhar para que o PMDB não se metesse com o PSDB. Isso parece garantido. Nem os tucanos mais fanaticamente otimistas acreditam hoje numa aliança com o PMDB.

O incômodo maior na situação é com outro detalhe: a possível união de todas as forças políticas que hoje se abrigam sob os guarda-chuvas regionais de José Serra e Aécio Neves. A equação é simples e velha conhecida: a aliança serrista tem dois terços de apoio em São Paulo, enquanto o eleitorado aecista perfaz três quartos de Minas Gerais. Se a oposição conseguir a proeza de transformar a aritmética em política, de somar esses dois vetores com o máximo de eficiência, Dilma precisará ter o desempenho de um Lula no Nordeste para ter chance de levar o troféu.

Ou seja, mesmo com toda a musculatura do presidente, se o governo não dividir a oposição sua candidata entra em zona de turbulência. E quais são as chances de haver tal divisão? São razoáveis, dado que Serra vai melhor nas pesquisas, mas não consegue atrair nenhum pedaço do governismo, enquanto Aécio não anda tão bem nos números, mas mostra maior potencial de articulação política. Ainda que isso necessite ser comprovado na prática, quando, e se, Aécio for ungido pelo PSDB.

Parte do eleitorado de Serra em São Paulo gosta de Lula, mas não se identifica com o PT. Como reagirá a um apelo do presidente pela candidata Dilma? Possivelmente não muito bem, pois São Paulo é um estado em que Lula tem mostrado escassa capacidade de transferir voto. Aliás, trata-se de um eleitor que até gosta de Lula, mas não vota nele. Menos ainda em alguém do PT que não seja Lula.

E em Minas Gerais? Diferentemente de São Paulo, o voto automático antipetista é fraco ali. Tanto que Minas foi uma das chaves das duas vitórias de Lula para a Presidência. Daí que se Serra for o candidato e a coisa não ficar bem costurada no PSDB há o risco ¿ para os tucanos ¿ de o PT, eventualmente aliado ao PMDB, pegar para si parte do patrimônio eleitoral aecista.

Como resolver o quebra-cabeças? Quem sabe? O petismo espera que esse seja um enigma sem solução. E que o plano caminhe conforme rascunhado há muito tempo. Um plebiscito. ¿Disso eles não escapam. Se não der para ser no primeiro turno, que seja no segundo¿, gosta de dizer o ex-ministro José Dirceu. Com Lula dia e noite na tevê, no rádio, na internet e na rua pedindo ao povo que vote em Dilma para evitar a volta ao poder do grupo de Fernando Henrique Cardoso, que vote em Dilma para que tenham continuidade as propostas e programas do governo dele.