Título: Wisconsin, terra de Ryan
Autor: Godoy, Fernanda
Fonte: O Globo, 28/10/2012, O Mundo, p. 55

Popularidade de vice de Romney é trunfo republicano para superar vantagem democrata

Enviada especial

JANESVILLE, EUA Ao entrar na pequena Janesville, uma cidade de 60 mil habitantes, o visitante é assaltado pela impressão de que a chapa republicana está de cabeça para baixo: aqui, o candidato a vice-presidente Paul Ryan, 42 anos, nativo da cidade e deputado no sétimo mandato (de dois anos cada) como representante deste rincão de Wisconsin, 70km ao sul da capital Madison, é o líder do Partido Republicano, deixando Mitt Romney em segundo plano. Em toda parte, as placas com o nome de Ryan são mais numerosas. Militantes e voluntários republicanos "vendem" o nome de Ryan antes do de Romney ao bater na porta de eleitores ou disparar telefonemas. Ryan, que gosta de se apresentar como "falcão fiscal", opositor do crescimento dos gastos e dos pacotes de estímulo aprovados no governo Barack Obama, é, em Janesville, mais do que em qualquer outro lugar, o líder dos conservadores nestas eleições americanas.

- Ryan é a nova face do Partido Republicano. É muito articulado, tem um dom para explicar as coisas e se conectar com as pessoas comuns. E realmente é um líder intelectual, o homem que tem as ideias certas - diz Steve Sarow, militar reformado, eleitor de Ryan desde 2002.

O GLOBO acompanhou uma equipe de voluntários republicanos na mais tradicional das atividades de campanha nos EUA: bater de porta em porta pedindo votos. Em um subúrbio afluente de Janesville, num sábado à tarde, seis pessoas disseram conhecer pessoalmente Ryan, da igreja ou de outras atividades comunitárias. Ele, a mulher, Janna, e os três filhos ainda vivem na cidade.

- Sei que Ryan é honesto no que prega, e tenho a mesma preocupação que ele: nossa dívida de US$ 16 trilhões. Que país vou deixar para os meus netos? Não endosso as políticas de Obama, acho que o "Obamacare" (reforma da saúde aprovada em 2010) foi um dos maiores erros da nossa História - diz Flo Werner, avó de nove crianças, que se define como uma eleitora conservadora que eventualmente vota em candidatos democratas.

inimigo número um dos democratas

O presidente do Comitê Nacional Republicano, Reince Priebus, também nascido em Wisconsin, passou por Janesville naquele mesmo sábado, a pouco mais de duas semanas da eleição, e foi direto ao assunto:

- Estamos todos muito orgulhosos de Paul Ryan e de dividi-lo com o restante dos Estados Unidos. Paul é como um irmão mais velho adotivo, ele é meu herói. Este país está carente de gente autêntica - disse o dirigente, de 40 anos.

Para os democratas locais, Ryan é o inimigo número um. Com uma população de 5,7 milhões de habitantes, 88% dos quais brancos, Wisconsin é um dos estados industriais do chamado "cinturão da ferrugem" do Meio-Oeste americano, cuja economia vem sendo afetada pela desindustrialização nas últimas décadas.

Em seu discurso na convenção republicana, Ryan citou o fechamento de uma fábrica da General Motors na cidade, atribuindo a culpa ao presidente Obama. A fábrica, umas das âncoras da economia local, fechou em 23 de dezembro de 2008, ainda no governo do ex-presidente republicano George W. Bush. A decisão de fechá-la havia sido anunciada pelos executivos da GM em junho, antes de a crise financeira explodir com toda a força em setembro, e a data acabou sendo antecipada em função dela.

Os democratas não perdoaram. A propaganda do partido conclama os eleitores a derrotarem Ryan duplamente: pelas regras americanas, ele concorre também a deputado pelo primeiro distrito de Wisconsin, embora esteja na chapa presidencial.

A GM e o resgate da indústria automobilística americana patrocinado pelo governo Obama não são os únicos grandes temas em Wisconsin. As propostas de austeridade fiscal que deram fama a Ryan na presidência do Comitê de Orçamento da Câmara e a batalha travada este ano pelos democratas e pelos sindicatos contra o governador, o republicano Scott Walker - que sobreviveu a uma votação de recall em junho - acirraram como nunca os ânimos no estado.

- A batalha do recall recarregou nossas baterias. Apesar da derrota, refizemos nossa organização de base, e nosso pessoal está trabalhando com uma paixão nunca vista - diz Stephanie Bloomingdale, secretária-tesoureira da AFL-CIO, a maior central sindical americana, com mais de 200 mil filiados em Wisconsin.

Embora a taxa de desemprego no estado, de 7,3% em setembro, seja menor que a média nacional, de 7,8%, Wisconsin ainda luta para se recuperar da crise de 2008/2009. Considerado um dos nove estados onde a eleição ainda não está definida, Wisconsin tem dado sistematicamente seus dez votos no Colégio Eleitoral ao candidato presidencial democrata desde 1988, mas as pequenas margens nas duas últimas eleições mantiveram as esperanças republicanas acesas. No sistema americano, o candidato que vence em um estado leva todos os votos daquela unidade da federação no Colégio Eleitoral. São necessários 270 votos para eleger o presidente.

Até o fim da semana passada, as pesquisas apontavam vantagem para Obama. Segundo a média das pesquisas consolidada pelo site Real Clear Politics, o presidente estava 2,3 pontos percentuais à frente em Wisconsin (49,3% anteos 47% do ex-governador Romney). O analista de pesquisas Nate Silver, que comanda o blog Fivethirtyeight (538, número de votos do Colégio Eleitoral) no site do "New York Times", estimava em 86% as chances de vitória de Obama em Wisconsin, na noite da última sexta-feira.

"não quero o socialismo europeu"

Mesmo assim, os voluntários republicanos estão longe de jogar a toalha. Secretária de um escritório de advocacia, Susan Schmoekel passa os fins de semana circulando pela cidade com seu Toyota Corolla rodado, batendo de porta em porta para pedir votos na chapa Ryan-Romney.

- Não quero que os EUA caminhem na direção do socialismo europeu. Tenho amigos na Grécia, e as pensões deles foram cortadas pela metade, devido ao mesmo tipo de irresponsabilidade fiscal que estamos vendo aqui, a mesma mania de gastar mais do que se tem.