Título: Sintonia fina
Autor: Queiroz, Silvio
Fonte: Correio Braziliense, 07/10/2009, Mundo, p. 16

Durante encontro em Estocolmo, União Europeia elogia plano brasileiro de combate ao desmatamento e diz que país é exemplo para o mundo. Lula defende que ONU estabeleça metas de emissão de gases poluentes

Sstocolmo ¿ Brasil e União Europeia (UE) encerraram ontem sua terceira reunião de cúpula com a decisão de realizar um novo encontro de alto nível, possivelmente em novembro, para afinar a sintonia nas propostas de combate ao aquecimento global antes da conferência das Nações Unidas sobre o tema, marcada para dezembro em Copenhague (Dinamarca). O presidente Luiz Inácio Lula da Silva leva da capital sueca, onde também participou de reuniões com o governo local, o endosso dos dirigentes europeus ao plano brasileiro para reduzir o desmatamento da Amazônia em 80% até 2020.

¿O Brasil adotou um plano muito ambicioso em termos de desmatamento, que pode ser exemplo para outros países do mundo que têm florestas tropicais¿, elogiou o presidente da Comissão Europeia (CE, braço executivo da UE), José Manuel Durão Barroso. No fim do encontro, ele e Lula deram entrevista coletiva ao lado do anfitrião, o primeiro-ministro Fredrik Reinfeldt, que exerce neste semestre a presidência rotativa da UE. O governante brasileiro voltou a propor que a ONU estabeleça para os países uma meta de emissão de gases causadores do efeito estufa. ¿Temos que chegar a Copenhague sabendo quanto cada um emite, para cada um assumir a sua responsabilidade ¿ desde Guiné Bissau, que não deve emitir nada, até os Estados Unidos.¿

Respondendo a um pedido do movimento ecologista Greenpeace, que cobrou do Brasil um compromisso com o ¿desmatamento zero¿, Lula fez a primeira de uma série de piadas com as quais arrancou risos da plateia, inclusive de Durão Barroso. ¿Desmatamento zero, nem que o Brasil fosse careca, porque sempre alguém vai cortar alguma coisa¿, disse. O presidente da CE aproveitou para também fazer trocadilho com desmatamento e aquecimento global: ¿Às vezes o que há é uma floresta de números e datas que nem os peritos entendem¿.

Caças Foi nesse mesmo tom que o presidente se esquivou de comentar a contraofensiva da Suécia para reverter o favoritismo do caça francês Rafale na concorrência da Força Aérea Brasileira (FAB) para adquirir 36 aviões. Estão na disputa o sueco Gripen NG e o americano Super Hornet. ¿Eu li hoje mesmo que está cheio de pirata na Somália. Daqui a pouco, aparece algum pirata para roubar o nosso pré-sal¿, disse Lula, reiterando que tomará a decisão depois de receber o parecer da FAB, ¿dentro de algumas semanas¿.

Os três dirigentes ressaltaram as ¿afinidades crescentes¿ entre Brasil e União Europeia, espelhadas no diálogo político de alto nível inaugurado em 2007, com o estabelecimento da parceria estratégica. Na declaração final da cúpula, além de temas bilaterais e internacionais (leia quadro), foi incluída uma passagem sobre a crise em Honduras, na qual as duas partes reiteram o apoio ¿à normalidade democrática¿ (leia mais na página 17).

À tarde, o presidente se reuniu com o premiê sueco para estabelecer uma parceria estratégica bilateral, nos moldes da que já está em vigor com a França. Os dois países definiram cinco áreas para o plano de ação da parceria: comércio e investimentos; inovações e tecnologia de ponta; desenvolvimento sustentável; defesa; educação e pesquisa. Antes de deixar Estocolmo, Lula foi recebido no palácio pelo rei Carlos Gustavo XVI e pela rainha Silvia, para um jantar de gala.

» O repórter viajou a convite da Comissão Europeia

O que ficou acertado

Meio ambiente Brasil e a União Europeia (UE) realizarão um encontro de alto nível, antes da Conferência de Copenhague, para coordenar posições, com base nos planos que cada um dos lados apresentou para enfrentar as mudanças climáticas

Governança global As duas partes defendem o fortalecimento da ONU e reforma dos principais organismos, em especial para aumentar a representatividade do Conselho de Segurança

Comércio Brasil e UE reiteram a determinação de seguir trabalhando pela conclusão da Rodada de Doha, em 2010, e concordaram em retomar as negociações para um acordo de livre comércio entre o bloco europeu e o Mercosul

Relações bilaterais Brasil e UE manifestam satisfação com o andamento do plano de ação da parceria estratégica e com o estabelecimento do mecanismo de diálogo político de alto nível e de 16 mesas de diálogo setoriais

Convite a empresários

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva usou ontem, em Estocolmo, a escolha do Rio de Janeiro para sediar a Olímpiada de 2016 como exemplo da ¿dimensão do que está acontecendo¿ no país. ¿O Brasil não vai perder o século 21 como perdeu o século 20¿, prometeu, no encerramento de um seminário empresarial. No longo discurso, durante o qual falou de improviso por meia hora, Lula estimulou os empresários locais a investirem no país se quiserem repetir, na Copa de 2014, a final do mundial de 1958, na Suécia ¿ o primeiro vencido pela Seleção Brasileira.

¿Não percam a oportunidade¿, insistiu Lula, pouco depois de ter lamentado que ¿poucos países tiveram tantas oportunidades como o Brasil, e nós jogamos fora¿. A Olímpiada, a Copa e o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) ¿vão transformar o país num canteiro de obras¿, anunciou. O presidente voltou a festejar a recuperação da economia brasileira ¿ ¿fomos o último país a entrar na crise e o primeiro a sair¿ ¿ e se remeteu à fábula da cigarra e da formiga. ¿Nós trabalhamos e economizamos enquanto outros cantavam¿, comparou.

Greve No esforço para convencer os suecos de que o Brasil ¿amadureceu¿, Lula invocou a própria experiência com o país, com mais de três décadas. ¿Conheci a Suécia como dirigente sindical e descobri que aqui patrões e empregados têm uma relação madura¿, relembrou. ¿A primeira greve que eu fiz foi em uma empresa sueca (a Scania, em 1978), e eu cheguei à Presidência da República por causa dessa greve¿, contou, arrancando risos e aplausos.

Lula tratou de associar a política econômica de seu governo ao modelo do Estado social sueco, com a distribuição de renda como fermento da recuperação. ¿Quem impediu a crise no Brasil foi de um lado os mais pobres e a classe média, consumindo, e de outro o Estado cumprindo seu papel de indutor e regulador da economia¿, assinalou o presidente.

Entre as decisões tomadas no fórum, empresários europeus e brasileiros decidiram estabelecer um conselho, com reforço de acadêmicos e outros especialistas, para estudar mecanismos capazes de eliminar entraves aos investimentos no Brasil. O inimigo número um invocado pelos executivos é a elevada carga tributária, em especial a bitributação de alguns produtos no âmbito do Mercosul. A Europa, como lembrou no seminário o presidente da Comunidade Europeia, José Durão Barroso, é ¿de longe¿ o principal parceiro comercial do Brasil, lidera os investimentos diretos no pais e é o destino preferencial dos investimentos externos brasileiros. (SQ)