Título: Fundos de renda fixa com cara de título de capitalização
Autor: Neto, João Sorima
Fonte: O Globo, 05/11/2012, Economia, p. 21

Aplicações têm sorteios mensais, mas taxa de administração é alta e ganho perde da inflação.

Com mais de R$ 5,6 bilhões investidos, o Hiperfundo Bradesco é o fundo de renda fixa com um dos maiores patrimônios do varejo e mais de 360 mil cotistas. No ano, a rentabilidade desse investimento está em 3,46%, menos da metade da taxa do Certificado de Depósito Interbancário (CDI), referência do mercado, que oferece ganho de 6,60% de janeiro até agora. Mesmo assim, o Hiperfundo Bradesco tornou-se um sucesso no mercado por causa de uma peculiaridade: além do rendimento, oferece o sorteio mensal de prêmios. Começou com carros e agora montantes que variam de R$ 25 mil a R$ 300, pagos em forma de Certificados de Depósito Bancário (CDBs). A estratégia de misturar investimento com sorteios pela Loteria Federal também já está sendo seguida pelo Santander e pelo Banco do Brasil e está atraindo muita gente. Mas a taxa de administração dos três fundos gira em torno de 4% ao ano. É quase o dobro dos 2% cobrados em média por outros fundos de renda fixa, que não oferecem a oportunidade de concorrer a prêmios.

Especialistas ouvidos pelo GLOBO alertam que o investidor não deve se deixar seduzir pela possibilidade de tentar a sorte nessas aplicações. A recomendação é ler com atenção o prospecto do fundo, verificar a taxa de administração cobrada e a rentabilidade oferecida.

- Quem vai investir seduzido pelo prêmio não vai poder reclamar depois que está pagando taxa de administração alta, se comparada a outros fundos de renda fixa, ou de rentabilidade mais baixa, que não repõe nem a inflação - diz o educador financeiro Mauro Calil.

Outro atrativo desses produtos é a aplicação inicial baixa, a partir de R$ 100.

- Uma taxa de administração de 4% num cenário de juro alto já era excessiva. Agora que os juros estão mais baixos (a taxa básica economia, Selic, está em 7,25% ao ano, a mais baixa da série histórica) boa parte da rentabilidade do fundo é engolida. Mas, como o investidor brasileiro ainda não tem tanta educação financeira, ele nem sabe se 4% é uma taxa alta ou baixa - diz Samy Dana, professor da Escola de Economia da Fundação Getulio Vargas, em São Paulo.

Para justificar as taxas de administração mais altas, os bancos afirmam que o investidor tem benefícios a mais nestes fundos, que são os sorteios. Mas essa equação, alertam os especialistas, vai contra o objetivo de rentabilidade maior.

- Uma parte dessa taxa de administração é devolvida através dos prêmios - explica Carlos Takahashi, diretor-presidente da BBDTVM, o braço de investimentos do Banco do Brasil.

investidor troca loteria por fundos, diz bb

O Fundo Renda Fixa LP 100, do Banco do Brasil, oferece 90 prêmios mensais de R$ 1,5 mil e três de R$ 25 mil. E, de quatro em quatro meses, sorteia três prêmios de R$ 100 mil. A aplicação inicial é de R$ 100 e a liquidez, diária, o que significa que o investidor recebe o dinheiro no mesmo dia em que resolve sacar, diferentemente de outros fundos de renda fixa que levam de dois a três dias para dar baixa na aplicação. Takahashi explica que o brasileiro gosta de fazer apostas e a possibilidade de ganhar uma rentabilidade mínima, aliada à loteria dos prêmios, acaba sendo um grande atrativo. E o tíquete de entrada baixo facilita a aplicação.

- O produto atrai aquela pessoa que deixa R$ 100 ou R$ 200 parados na conta. A chance de ter um rendimento sobre esse dinheiro, concorrer a prêmios, e ainda ter liquidez diária é muito interessante. Ele acaba substituindo a loteria por esse produto - afirma o diretor-presidente da BBDTVM.

A rentabilidade do LP 100 está em 5,18% no ano, o equivalente a 54,76% do CDI. No mesmo período, a inflação oficial medida pelo IPCA está em 5,5%, superior ao rendimento do fundo. O Mega Prêmio Renda Fixa, do Santander, faz nove sorteios mensais pela Loteria Federal. Distribui oito prêmios de R$ 2 mil e um prêmio de R$ 35 mil. A taxa de administração é de 4% e a aplicação inicial, de R$ 100.

- As pessoas devem saber onde estão aplicando seu dinheiro. A ideia de que o governo deve fiscalizar tudo é errada. Não é o excesso de regulação que resolve o problema, mas a educação financeira é que funciona nestes casos. Esses fundos não são ilegais e nem os bancos são vilões - diz Mauro Calil.

Para o consultor financeiro Marcelo Maron, muita vezes o investidor aplica seu dinheiro nesse tipo de produto porque tem confiança no gerente do banco que indica a aplicação.

- O gerente precisa bater metas de captação e acaba oferecendo esses fundos com prêmios. O investidor desavisado aceita sem ler o prospecto com detalhes e só depois de ver o que comprou é que vai reclamar - diz Maron.