Título: À espera de moradia, sem espaço para comer
Autor: Duarte, Alessandra; Benevides, Carolina
Fonte: O Globo, 04/11/2012, País, p. 3

É com vergonha que Marineide Bandeira do Nascimento, em Sapé, na Paraíba, mostra a casa com fogão a lenha. Analfabeta aos 35 anos, ela mora com o marido e os quatro filhos num imóvel que é um quarto, sem espaço para cadeiras - o jeito é a família comer em pé em volta da mesa. Marineide é uma das cadastradas à espera, há mais de um ano, de uma das 60 casas que estão sendo construídas dentro do Programa de Habitação de Interesse Social, para famílias com renda até três salários mínimos, na cidade que, em junho último, viu o prefeito João Clemente (DEM) ser preso na Operação Pão e Circo, do Ministério Público, da PF e da CGU, sobre um esquema no estado e em Alagoas que teria desviado R$ 65 milhões na realização de festas; já solto, Clemente renunciou à candidatura à reeleição.

- Enquanto não vem essa casa, a gente fica aqui - diz Marineide, que recebe R$ 100 de aluguel social até que o imóvel fique pronto e sustenta os quatro filhos com R$ 260 do Bolsa Família e com comida que ela pede à noite, quase todo dia, na casa dos vizinhos.

Num exemplo da falta de acompanhamento de programas federais nos municípios, as famílias cadastradas para receber os imóveis denunciam que as casas já levantadas estariam sendo usadas à noite para uso de drogas e prostituição. No chão das casas, quando O GLOBO esteve lá, puderam ser vistos vestígios de uso de crack, como latas cortadas, além de embalagens usadas de preservativo.

- Não tem vigilância de noite. Já roubaram material de construção. Este ano, a obra ficou semanas parada no primeiro semestre, depois voltou, agora parou de novo... - diz o morador José Edmílson, sem sobrenome porque "não colocaram quando registraram no cartório".

Em agosto, a Secretaria de Obras de Sapé deu previsão de término em outubro, mas hoje cerca de 30 casas ainda não ficaram prontas, diz Edmílson. A secretaria afirma que o ritmo das obras segue a liberação da verba federal; e que não teria recebido, até então, denúncia de falta de vigilância, mas que a responsabilidade pela segurança seria da empresa contratada. O Ministério das Cidades afirmou que "oficiou a instituição financeira responsável pela execução das unidades habitacionais para solicitar informações sobre as condições da obra".