Título: Lições deixadas por Betinho
Autor: Remígio
Fonte: O Globo, 04/11/2012, País, p. 6

Livro que marca os 15 anos da morte de Herbert de Souza reúne textos do sociólogo, aborda a miséria e analisa criticamente o Brasil.

Quem tem fome tem pressa. A frase mais conhecida do sociólogo Herbert de Souza se tornou, nos anos 1990, um "grito de guerra contra a miséria" no Brasil. De lá para cá, muita coisa mudou. Se em 1993 eram 32 milhões de brasileiros abaixo da linha de pobreza - cálculo estimado da época feito pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) -, hoje são oito milhões, de acordo com o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. O "grito de guerra", cartas, entrevistas e textos que levam a assinatura do sociólogo, estão reunidos no livro "O Brasil de Betinho", obra que o Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase) lançará dia 7 como parte da programação pelos 15 anos da morte de Betinho, completados em agosto passado.

A coletânea faz um passeio pela História recente do país. Por meio de escritos de Betinho, a obra apresenta uma visão crítica dos governos de Getúlio Vargas, dos anos JK, da época da ditadura militar e da redemocratização do país, períodos que se misturam com a vida do sociólogo.

Durante um ano, os organizadores da obra, Dulce Pandolfi, Augusto Gazir e Lucas Corrêa, dedicaram-se à seleção de material escrito, gravações e vídeos de Betinho. O lançamento acontecerá na Associação Comitê Rio da Ação da Cidadania Contra a Fome, a Miséria e pela Vida, no bairro da Saúde, Zona Portuária do Rio, um dos legados do sociólogo.

- Betinho é um personagem fascinante, com uma trajetória rica e exemplar. Ele conseguiu mobilizar a sociedade, de A a Z, numa campanha contra a miséria, problema que existe desde que o Brasil é Brasil. Evoluímos, embora a situação do país ainda seja dramática - afirmou Dulce Pandolfi, que trabalhou com o sociólogo. - A ideia do livro é mostrar para as novas gerações a genialidade de Betinho. Ao longo da vida, ele conseguiu militar em várias frentes e bandeiras: fundador da Ação Popular, militante maoísta, exilado político, criador do Ibase, ativista contra a Aids.

Se estivesse vivo, Betinho teria completado 77 anos ontem. Sociólogo, foi fundador da Ação Popular (AP). Em 1964, após o golpe militar, Betinho viajou para Montevidéu, onde participou da Frente de Mobilização Popular, organização de oposição à ditadura. Passou por Cuba, em busca de recursos para financiar o movimento de resistência liderado por Leonel Brizola. Em 1966, foi preso no Rio e levado ao Departamento de Ordem Política e Social (Dops). Betinho pediu abrigo no Consulado do México, onde permaneceu dez dias e, depois, caiu na clandestinidade, até se exilar no Chile, em 1971.

Após oito anos de exílio, Betinho deixou o México e retornou ao Brasil, onde em 1981 fundou o Ibase. O sociólogo passou a coordenar a Campanha Nacional pela Reforma Agrária, lançada pelo instituto. Atuou no movimento Diretas Já e, no início dos anos 1990, integrou o Movimento pela Ética na Política, em favor da apuração das denúncias de corrupção no governo federal. Em 1993, articulou a Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida.

- Foi o ponto de partida para um trabalho de combate à miséria que se estende até hoje - disse Dulce.

Crítico em suas análises, Betinho lutou contra o assistencialismo. Portador do vírus da Aids, contraído em um transfusão de sangue, o sociólogo morreu em agosto de 1997.

"Eu acho que o assistencialista não quer acabar com a miséria, ele quer perpetuá-la de outra forma. Na verdade ele é uma espécie de gigolô da miséria e não quer promover quem ajuda. (...) Porque eu dizia assim: 'quem tem fome tem pressa' e, se você não oferecer comida a quem está morrendo de fome, não adianta você pensar na reforma estrutural daqui a dez anos, porque não vai ter população para viver a reforma", disse Betinho, em trecho publicado no livro do Ibase.

Além de textos, a obra traz fotos, reprodução de páginas de jornais e charges do sociólogo.