Título: Uma tacada polêmica
Autor: Magalhães, Luiz Ernesto
Fonte: O Globo, 02/11/2012, Rio, p. 9

Projeto de Paes muda lei ambiental para setor privado construir campo de golfe na Barra

O prefeito Eduardo Paes encaminhará segunda-feira à Câmara dos Vereadores um projeto de lei que muda parâmetros ambientais e urbanísticos na Barra a fim de viabilizar a construção do campo de golfe dos Jogos Olímpicos de 2016. O novo pacote olímpico transforma em não edificáveis todos os lotes da Área de Preservação Ambiental (APA) de Marapendi voltados para a Praia da Reserva. Hoje de propriedade particular, eles seriam transformados num grande parque público à beira-mar. Em troca, um trecho de 58 mil metros quadrados de terreno às margens da Avenida das Américas que são considerados intocáveis por estarem em Zona de Conservação da Vida Silvestre (ZCVS) para protegerem a fauna e flora da região seriam liberados para o campo de golfe de dimensões olímpicas.

- A APA perderá uma pequena parte de sua área. Mas, em compensação, o projeto de lei vai garantir a preservação de um espaço bem maior. Haverá a proteção permanente do trecho da Praia da Reserva que será incorporado ao Parque de Marapendi. E o potencial construtivo dos terrenos serão transferidos para outras áreas da Barra e do Recreio - justificou Paes.

Apesar de a área de ZCVS ser apenas 6% do total do campo de golfe, a proposta promete causar polêmica entre ambientalistas, por falta de estudos prévios, mesmo com a compensação proposta por Paes. O campo de golfe se estenderá por uma área de um milhão de metros quadrados, também na APA de Marapendi, às margens da Avenida das Américas. O prefeito não informou qual o tamanho da nova área que será declarada como Zona de Conservação da Vida Silvestre, alegando que a proposta será apresentada primeiro aos vereadores, numa reunião na próxima segunda-feira.

vereadores sem alternativa

O projeto chega ao Legislativo sem que haja um plano B para o campo de golfe. Antes de bater o martelo pela área na APA de Marapendi, o Comitê Rio 2016 vistoriou o Gávea Golf Club e o Itanhangá Golf Club, concluindo que nenhum dos dois tinham instalações de nível olímpico e que seria caro e difícil realizar as adaptações necessárias. Além disso, desde anteontem - o prazo esgotava-se em 31 de outubro - não é mais possível propor ao Comitê Olímpico Internacional (COI) mudanças no projeto do Rio para abrigar os Jogos.

Apesar disso, tanto o Comitê Rio 2016 quanto a prefeitura estavam cientes das limitações ambientais da área há pelo menos oito meses. A previsão de uso do trecho de ZCVS consta do projeto do escritório americano Hanse Golf Course Design, escolhido num concurso internacional cujo resultado foi divulgado em março. Pelo projeto, a área de um milhão de metros quadrados é necessária para o campo sediar uma competição olímpica.

O secretário municipal de Urbanismo, Sérgio Dias, argumentou que o projeto propondo a mudança da lei só não foi enviado antes devido à demora na conclusão das negociações do Comitê Rio 2016 com os empresários que construirão o campo de golfe, numa parceria público-privada (PPP). O acordo só foi selado num café da manhã na última terça-feira, no Palácio da Cidade. À mesa estavam, entre outros, Paes; o presidente do Comitê Rio 2016, Carlos Arthur Nuzman; o empresário Pasquale Mauro (dono da área do campo de golfe); e Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central que lidera os empresários interessados em executar o projeto.

- Não podíamos propor mudanças na legislação sem confirmar que a área seria usada. A solução é a melhor. Se não fosse a PPP, o campo teria que ser construído com recursos públicos. A iniciativa privada vai aplicar R$ 60 milhões, em lugar do poder público - disse Dias.

empreendimento já previa campo de golfe

As Olimpíadas vão viabilizar um empreendimento que vinha sendo anunciado há anos. Pasquale Mauro já havia licenciado na prefeitura o projeto de um campo de golfe de menor porte, privado, logo após o lançamento do condomínio Riserva Uno. Na campanha de lançamento ele era anunciado no site como tendo "vista para o futuro maior campo de golfe do Brasil".

Pelo acordo, o grupo Rio Mar, de Pasquale Mauro, poderá erguer até 22 blocos de apartamentos com 22 andares e área total construída de 600 mil metros quadrados. Pelas regras que valiam desde 2003, os empresários até poderiam construir 22 andares e um total de 40 blocos, mas as unidades seriam de menor valor de mercado.

Sérgio Dias argumenta que, quando a APA de Marapendi foi criada, por decreto, em 1991, a área foi declarada ZCVS de forma equivocada.

- Ela estava degradada muitos anos antes. Inicialmente foi devastada para a extração de areia, usada como matéria-prima na construção dos condomínios mais antigos da Barra. Depois, foi sede de uma fábrica de pré-moldados para a construção de Cieps - disse.

Para o diretor de Meio Ambiente da Câmara Comunitária da Barra, David Zee, a área citada por Dias realmente está degrada. Ele, no entanto, ressalva:

- Isso não é justificativa para retirar a proteção. Seria necessário um esforço de recuperação das áreas de manguezal. Isso valorizaria o próprio campo de golfe e ajudaria a preservar o resto do parque.

O ambientalista Rogério Rocco avalia que a a prefeitura deveria realizar estudos aprofundados sobre a região antes de propor qualquer mudança . Sem isso, segundo ele, não há garantias de que o impacto ambiental será de fato compensado por preservar uma área maior.

Na Câmara, a oposição já critica a iniciativa. Andrea Gouvêa Vieira (PSDB) observou que área que Paes propõe incorporar à APA de Marapendi na Praia da Reserva já conta com uma legislação bastante restritiva, o que, por si só, há mais de 20 anos inviabiliza empreendimentos, garantindo a preservação.

- As Olimpíadas viraram desculpa para tudo. O que se quer é mudar a cidade sem muita discussão. É uma contradição querer mudar a legislação ambiental e, ao mesmo, tempo vender a ideia de que se pretende promover olimpíada sustentável.