Título: Ditadura: ação de religiosos será apurada
Autor: Farah, Tatiana
Fonte: O Globo, 09/11/2012, País, p. 11

Comissão da Verdade fez ontem primeira reunião com investigadores

Tatiana Farah

SÃO PAULO A Comissão Nacional da Verdade (CNV) reuniu ontem, pela primeira vez, especialistas e investigadores que vão apurar o papel das igrejas cristãs na ditadura militar. Segundo o coordenador do grupo, o cientista político Paulo Sérgio Pinheiro, serão ouvidas vítimas do regime e testemunhas da atuação dos religiosos tanto no apoio ao golpe militar como no suporte à resistência.

- Estamos mapeando o território. Membros das igrejas que colaboraram com os abusos de direitos humanos terão que ser levantados e teremos uma narrativa sobre isso - disse Pinheiro, para quem não haverá grande resistência por parte das igrejas.

Um dos casos investigados é o do ex-preso político Anivaldo Padilha, pai do ministro Alexandre Padilha (Saúde). Anivaldo vai participar do grupo. Ele foi preso em 1970, depois de ser denunciado pelo pastor e pelo bispo da Igreja Metodista onde atuava como dirigente da juventude. Anivaldo omitia dos religiosos sua participação na Ação Popular, mas acabou preso, torturado e exilado nos Estados Unidos. Como sua mulher estava grávida, ele só conheceu o filho em seu retorno ao Brasil, quando Alexandre tinha oito anos. Hoje, Anivaldo continua como líder na Metodista.

- Participei de encontro com várias igrejas e há um sentimento de que é importante fazer essa investigação, esse autoexame. Acredito que teremos reações positivas e, obviamente, alguns setores vão se opor, os mais conservadores, remanescentes dos que apoiaram a ditadura - disse Anivaldo.

Sem tratamento diferenciado

Paulo Sérgio Pinheiro afirmou que não haverá tratamento diferenciado às igrejas investigadas (Católica, Presbiterianas, Batista, Luterana e Metodista). Segundo ele, que integra a Comissão da Verdade, o grupo de trabalho foi criado porque, "ao lado das Forças Armadas, do empresariado e dos organismos do Estado, a igreja necessariamente precisa ser investigada".

- Temos toda a simpatia pelas vítimas do arbítrio, mas não nos move nenhuma sanha vingadora em relação àqueles que cooperaram com a ditadura - disse Pinheiro.

Anivaldo e Pinheiro lembraram o papel das igrejas também no apoio a militantes de esquerda e presos políticos, e disseram que as investigações ajudam na construção da memória.

- Para que não só as igrejas, mas as outras instituições se deem conta de quão nefasto tudo isso foi para a sociedade brasileira - disse Anivaldo.