Título: Alerta contra a corrupção
Autor: Bourrier, Any
Fonte: O Globo, 09/11/2012, Mundo, p. 36

Presidente chinês defende "aperfeiçoamento da democracia", mas sem copiar Ocidente

De olho. Trabalhadores chineses param uma fábrica de Zhuji, no Leste do país, para acompanhar o discurso do presidente pela TV: cresce a pressão para limitar o ritmo econômico

O próximo. Xi Jinping passa por Hu ( esquerda) e Jiang

TRANSIÇÃO NO PARTIDO COMUNISTA

PEQUIM Em seu discurso de despedida, o presidente Hu Jintao advertiu durante mais de uma hora os 2.270 participantes do 18º Congresso do Partido Comunista Chinês (PCC) sobre os riscos da corrupção. Segundo ele, o problema é "fatal, capaz de destruir o partido e o regime se não for combatido". Hu lançou também um apelo para o "aperfeiçoamento da democracia" e defendeu a transformação do país numa potência do mar - em clara referência à recente disputa com o Japão pela soberania de ilhas.

Embora positivo na área econômica, o balanço de Hu é magro no campo das reformas políticas, uma promessa feita várias vezes no passado, mas nunca cumprida. Ontem, voltou a defendê-las "para manter a estabilidade social", mas somente até um certo ponto.

- Não vamos nunca copiar o modelo político do Ocidente. Não vamos caminha sobre uma estrada dura e rígida, mas tampouco vamos caminhar pela estrada do mal que mudaria nossas faixas e bandeiras - disse o presidente.

Toda a ênfase, no entanto, foi no tema da corrupção. E na defesa da punição aos infratores.

- Temos que manter em todo momento uma postura muito severa no castigo à corrupção. Sem clemência a qualquer pessoa envolvida, seja qual for seu poder ou cargo - argumentou.

"DEVAGAR, CHINA", O MOTE DA NOVA ESQUERDA

A cada cinco anos, a conferência ocorre para nomear ou confirmar o segundo mandato do secretário-geral do PCC, que será, em seguida, nomeado presidente. Desta vez, a euforia dos 82 milhões de afiliados é pela chegada ao poder da quinta geração do partido que comanda a China desde 1949. Solenidade e consenso caracterizaram a sessão de abertura que reuniu a cúpula política, a elite do PCC e o comando militar na Assembleia Nacional do Povo, um prédio imponente na Praça da Paz Celestial, no centro histórico de Pequim, cercado por um impressionante esquema de segurança.

Solenidade porque, para celebrar os 90 anos da fundação do PCC, a organização abusou dos símbolos tradicionais: profusão de bandeiras vermelhas, decoração floral exuberante e slogans por toda a parte destacavam as principais realizações do PCC nas áreas econômica e social. Não faltaram a foice e o martelo impressos atrás do palco onde sentaram-se os membros do Politburo, remanescência do tempo em que a China era mesmo comunista.

Consenso, porque os mais de 2 mil participantes já estavam de acordo sobre o objetivo da reunião: nomear o sucessor de Hu Jintao. Por ordem superior deveriam aplaudir vigorosamente o relatório que o atual presidente apresentaria à nação na qualidade de secretário-geral do PCC, um balanço de seus dez anos.

- Devemos mirar mais alto e trabalhar mais para continuar em busca do desenvolvimento de modo científico; promover harmonia social e melhorar a vida das pessoas - disse Hu.

Os congressistas usavam o terno azul marinho, o mesmo corte de cabelo e mantinham a mesma atenção obediente ao interminável discurso de adeus. Unânimes e disciplinados.

Hu sera substituído no cargo de secretário-geral do PCC nos próximos dias por Xi Jinping, que assumirá oficialmente a Presidência em março de 2013, na reunião anual do Parlamento. Xi não foi eleito, mas cooptado por meio de um processo de negociações e acordos entre as facções do partido: o alto comando e os nove membros do comitê permanente do Politburo.

Nos corredores da Assembleia Nacional do Povo, a dúvida recorrente é se o futuro presidente será capaz de promover reformas para dar respostas ao povo chinês, cuja preocupação com as consequências do frenético desenvolvimento econômico aumentou nos últimos dois anos. Cresceu, ainda, a pressão popular para que o governo limite o ritmo dos planos para impulsionar a economia através de obras faraônicas de infraestrutura.

"Devagar, China" é o mais recente mote dos intelectuais da chamada "Nova Esquerda". Para eles, se a política econômica não mudar, "a China vai bater no muro", como afirma o analista Deng Yuwen na revista econômica "Caijin".

Poucos acreditam que crias do PCC, como Xi, queiram acabar com os próprios privilégios. Além disso, no complexo sistema político chinês o poder está nas mãos dos nove membros do Comitê Permanente do Politburo. Desses nove caciques, sete se aposentam esta semana por terem atingido a idade-limite, 70 anos. Só o resultado da luta de bastidores entre conservadores e progressistas para substituí-los dará uma indicação mais segura do caminho que a China vai seguir nos próximos dez anos.