Título: O primeiro passo
Autor: Vaz, Viviane
Fonte: Correio Braziliense, 08/10/2009, Mundo, p. 32

Diálogo mediado pela OEA começa e partes aceitam restituição do presidente deposto, Manuel Zelaya. Grande nó, porém, é a data

Nem bem começou, o diálogo mediado pela Organização dos Estados Americanos (OEA) entre os delegados do presidente deposto de Honduras, Manuel Zelaya, e os representantes do interino, Roberto Micheletti, avançou rapidamente para a concordância na volta de Zelaya ao poder ¿ e também velozmente esbarrou em um grande nó: quando, exatamente, isso ocorreria e em quais condições. O resumo do primeiro dia de conversas foi dado pelo chanceler da Costa Rica, Bruno Stagno: ¿Há concordância (das partes) em quase 85% do Acordo de San José, mas há dois pontos que seguem como discordâncias¿. O presidente deposto exigiu ser recolocado na Presidência até 15 de outubro. Micheletti, porém, diz aceitar a volta do adversário apenas em 2 de dezembro, quatro dias depois das eleições presidenciais já marcadas. Zelaya, então, passaria pouco de uma figura decorativa, já com um novo governo eleito.

Os representantes do líder hospedado na Embaixada do Brasil, porém, exigem que, se ele não for reempossado até o meio de outubro, o calendário eleitoral deve, automaticamente, ser adiado, ¿conforme o período de tempo que marca a lei: três meses de campanha¿. A proposta de Micheletti não só prevê o adiamento do retorno de Zelaya, como propõe a instalação de um gabinete predefinido, pede um pacote de ajuda externa a Honduras e exige uma anistia para ambos os lados.

Apesar da aparente resistência às datas de restituição ao poder propostas pelo governo interino, Zelaya parece preparado para aguentar até dezembro. Ele teria dito ontem aos jornalistas estrangeiros que estão dentro da embaixada, em tom de brincadeira: ¿Vocês só vão sair daqui no Natal¿.

Enquanto os dois lados da confusão hondurenha se batiam pelos meios de comunicação, a delegação de ministros de Relações Exteriores de oito países da OEA, chefiada pelo secretário-geral da OEA, José Miguel Insulza, chegou ao Hotel Clarion, em Tegucigalpa, pedindo ¿soluções concretas a uma crise que não pode ser mais prolongada¿. Os negociadores, porém, pareciam cientes da dificuldade para se obter um acordo rápido entre os dois líderes.

Insulza pediu que fossem considerados todos os pontos apresentados pelo Acordo de San José, proposto em julho pelo presidente da Costa Rica, Oscar Arias, e que sejam buscados ¿consensos claros¿. ¿O acordo é claro em cinco aspectos: primeiro, o restabelecimento do presidente eleito pelo povo hondurenho; a formação de um governo de unidade nacional; a garantia de que Zelaya não promoverá uma Assembleia Constituinte; anistia política e mecanismos de supervisão internacional.¿

Expectativa

¿O importante é não trair nem abandonar o espírito do Acordo de San José, essa é a nossa posição¿, disse Víctor Meza, ministro de Interior de Zelaya e chefe de sua delegação. Já o chanceler interino, Carlos López Contreras, pediu rapidez para acabar com ¿medidas discriminatórias estabelecidas no exterior contra Honduras¿, que afetam a população mais pobre. ¿Esse tratamento discriminatório supôs danos ao povo hondurenho de mais de US$ 400 milhões¿, disse Contreras.

O chanceler canadense, Peter Kent, disse ter a sensação de que os envolvidos entendem que esta crise tem de ser resolvida de imediato. ¿Este ano foi difícil para Honduras, mas os últimos meses de 2009 podem ser positivos¿, completou Kent, que assistiu à abertura do diálogo como presidente pro-tempore do grupo de países que cooperam com Honduras, o G-16. Outro chanceler otimista era o guatemalteco, Haroldo Rodas, que se disse ¿esperançoso¿.

Mais pragmático, o embaixador brasileiro na OEA, Ruy Casaes, admitiu que as duas partes têm estratégias próprias, ¿que fazem parte do jogo¿. ¿A função da comunidade internacional é auxiliar os hondurenhos a buscar o entendimento. Quando duas partes entram no processo de negociação, elas entram com posições extremas. O fato relevante é sentarem à mesa para que possam chegar a uma solução.¿ Entendimento que, até o fim da tarde de ontem, não tinha sido alcançado.

MOEDA DE TROCA As eleições presidenciais estão marcadas para 29 de novembro, mas ainda não há sinais de campanha em Honduras. O impasse entre Zelaya e Micheletti bloqueou o andamento do processo e não se vê propaganda política dos principais partidos. A Organização das Nações Unidas (ONU) retirou a ajuda para organizar as eleições no país, ao considerar que não existem condições para celebrar comícios livres e legítimos. Dessa forma, a realização do sufrágio acabou virando moeda de troca para a restituição de Zelaya ao poder e se tornou um dos pontos mais discutidos no Acordo de San José. A comunidade internacional só reconhecerá o novo presidente depois da restituição de Zelaya e do retorno da estabilidade democrática ao país.

A função da comunidade internacional é auxiliar os hondurenhos a buscar o entendimento¿

Ruy Casaes, embaixador brasileiro na OEA

Protesto e confronto

Enquanto no Hotel Clarion tentava-se um acordo para o fim da crise, confronto nas ruas da capital hondurenha. Armados e protegidos com escudos, militares e policiais avançavam para dispersar, com granadas de gás lacrimogêneo, um protesto organizado por simpatizantes do presidente deposto, Manuel Zelaya em frente à Embaixada do Brasil. Frases como ¿Mel (apelido de Zelaya), aguenta, o povo se levanta!¿ e ¿Mel, amigo, o povo está contigo!¿, eram entoadas pelos cerca de 150 manifestantes da chamada Frente de Resistência contra o Golpe de Estado.

¿Os manifestantes estavam violando o decreto que restringe as garantias constitucionais e estavam violando os direitos dos demais à livre circulação¿, disse o comissário Daniel Molina às rádios locais. Em frente à Universidade Nacional Autônoma, no leste da capital, dezenas de estudantes também bloquearam as ruas e foram reprimidos por policiais.

Em meio aos protestos, o chanceler interino de Honduras, Carlos López Contreras, pedia a normalização da situação no interior da Embaixada do Brasil, que desde 21 de setembro abriga Zelaya, seus seguidores e uma dezena de jornalistas estrangeiros. ¿Lá, em minha opinião, só os funcionários do Brasil deveriam exercer autoridade. E no exterior do mesmo (edifício), só as autoridades hondurenhas¿, disse.

Contreras pediu que se desarmassem tanto os estrangeiros quanto os hondurenhos, ¿se é que ainda não o fizeram¿. E colocou os pré-requisitos para quem quiser sair da embaixada: ¿O governo de Honduras não tem nenhum inconveniente para que os estrangeiros desarmados e acompanhados por funcionários do Brasil saiam com todas as garantias da embaixada e do país¿.

No caso dos hondurenhos, explicou que os ¿desarmados que não tenham contas pendentes com a Justiça poderiam abandonar livremente (a embaixada), como fizeram já outros nacionais¿. Contreras enfatizou que o governo interino respeita o que a comunidade internacional pensa sobre a situação em Honduras, mas pediu apoio às eleições presidenciais de novembro. ¿Antes de continuar em um debate sobre se este governo é uma sucessão constitucional ou não, convém apoiar as eleições¿, disse. (VV)