Título: Redução a qualquer custo
Autor: Fariello, Danilo ; Bonfanti, Cristiane
Fonte: O Globo, 15/11/2012, Economia, p. 23

Governo já tem plano B para cortar tarifa elétrica, caso empresas não renovem concessões

Insistência. Mantega defendeu pacote: "Tenho certeza de que a maioria dos concessionários vai aderir"

O preço da energia barata

O governo federal sinalizou ontem que tomará todas as medidas necessárias para assegurar queda das tarifas de energia elétrica de 20%, em média, a partir de fevereiro, ainda que algumas das concessionárias se recusem a renovar seus contratos por 30 anos com receita menor. Embora se mostre confiante na aprovação da medida provisória (MP) 579 pelo Congresso sem alterações relevantes, o governo já prepara um plano B para o caso de as três concessionárias da Cemig não aderirem à nova regra. A saída em discussão nos bastidores é adotar medidas complementares, como, por exemplo, a redução de mais encargos (tributos que incidem sobre as tarifas) ou um aumento de aportes do Tesouro Nacional nos fundos do setor para compensar a redução das tarifas.

Ontem, no balanço divulgado pela Eletrobras - de lucro de R$ 1 bilhão no terceiro trimestre, queda de 25,6% frente ao mesmo período de 2011 -, assim como naqueles de Cteep, Cesp e Copel, já divulgados, o parecer da auditoria se absteve de avaliar o resultado devido à incerteza em relação à MP 579.

Para Mauro Cunha, presidente da Associação dos Investidores do Mercado de Capitais (Amec), isso dificulta a leitura do balanço e a decisão por parte dos investidores.

- As decisões do governo tornaram os balanços praticamente inúteis - disse. - É ingenuidade esperar que esse tipo de atitude não vá afetar os investimentos no país.

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, ratificou ontem que o governo não abrirá mão da queda média de 20% nas tarifas, mas preferiu não indicar de onde o Tesouro poderia lançar mão de recursos para compensar uma eventual recusa de Cemig, Cesp e Cteep, que ameaçam não aderir à proposta.

- Não vamos colocar o carro na frente dos bois, porque esse problema não está colocado ainda - disse Mantega. - Prefiro não usar os recursos do Tesouro que já estão em caixa. Não temos nenhum plano B. O Tesouro está colocando R$ 3,3 bilhões ao ano para a redução da tarifa. Tenho certeza de que a maioria esmagadora dos concessionários vai aderir, mas se tiver algum resíduo vamos resolver de alguma forma.

"Não é possível reduzir se alguém não perder"

Mais cedo, em audiência pública no Congresso para debater a MP 579, que prevê a mudança de regras para a renovação das concessões, o diretor-geral da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), Nelson Hubner, afirmou que, para reduzir o custo da energia, será preciso reduzir o lucro das concessionárias.

- Não é possível reduzir as tarifas de energia, se alguém não perder. Acreditamos, porém, que as empresas vão continuar tendo lucratividade grande - disse Hubner.

Para o ministro interino de Minas e Energia, Marcio Zimmermann, porém, o novo cenário não altera a dinâmica de novos investimentos no setor elétrico. Ontem, a Eletrobras deu força às expectativas do governo, ao comunicar ao mercado que seu Conselho de Administração deliberou no sentido de aprovar a prorrogação das concessões. Isso assegura ao governo a adesão de mais da metade do potencial gerador a vencer.

A firmeza do governo em assegurar a queda das tarifas foi justificada pelo secretário de acompanhamento econômico da Fazenda, Antonio Henrique Silveira, no Congresso. Ele disse que a queda das tarifas de 16% para os consumidores residenciais implica redução de 1,2 ponto percentual da inflação a médio prazo, cerca de um quarto da meta de inflação para 2013, de 4,5%

O conselheiro da Eletrobras José Luiz Alquéres, representante dos acionistas minoritários, pediu demissão do cargo na última terça-feira. Segundo fontes do mercado, ele saiu por discordar da posição favorável à renovação das concessões. O mercado estima que a Eletrobras poderá ter uma perda da ordem de R$ 40 bilhões.

Alquéres está na Noruega e não quis falar sobre o assunto, mas em sua carta de demissão afirma que o governo vem destruindo o valor da Eletrobras. No dia 12, o fundo norueguês Skagen, responsável pela gestão de US$ 18 bilhões, enviou e-mails para os membros do conselho e diretoria da Eletrobras solicitando que a companhia não aceite a renovação dos contratos. O assunto será analisado em uma Assembleia Geral Extraordinária (AGE) convocado para o dia 3 de dezembro.

No Congresso, a luta pra alterar a MP também é grande. Ao menos 390 emendas ao projeto foram protocoladas por deputados. Entre outras, há emendas pedindo ajuste dos prazos de adesão ao pacote, solicitando que a sobra orçamentária da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) seja revertida em prol da redução das tarifas, fim dos subsídios e regras únicas para o ICMS da energia.

perdas de R$ 32,3 bilhões em valor de mercado

Desde o anúncio da redução da tarifa de energia, as ações das 31 empresas de energia elétrica negociadas na BM&FBovespa perderam R$ 32,3 bilhões em valor de mercado, segundo levantamento feito pela consultoria Economática a pedido do GLOBO. Juntas, essas empresas valiam R$ 199,6 bilhões no dia 6 de setembro, quando Dilma Rousseff fez o anúncio em rede nacional. Ontem, o valor era de R$ 167,3 bilhões.

A MP 579 prevê que transmissoras e geradoras tenham direito à indenização pelos ativos não amortizados, em troca da redução das tarifas. Mas o valor dessa indenização ficou abaixo do esperado pelas empresas: R$ 20 bilhões no total. Só a Eletrobras esperava receber em torno de R$ 30 bilhões, mas sua indenização deve ser de R$ 14 bilhões. As companhias têm até 4 de dezembro para aderir ou não ao novo modelo.

- Os investidores venderam em massa os papéis de elétricas, que até então eram considerados defensivos (menos expostos a oscilações bruscas), refletindo o temor com a queda de receitas - disse Roberto Altenhofen, analista da Empiricus Research/Investmania.

A Cemig foi a que mais perdeu no período: de R$ 28,4 bilhões em 6 de setembro, foi para R$ 19,2 bilhões ontem, queda de R$ 9,2 bilhões. As ações PN da Cemig caíram 35,9% no período, ON, 26,92%. A Eletrobras teve redução de R$ 5,4 bilhões, a segunda maior, de R$ 19,2 bilhões para R$ 13,7 bilhões. Seus papéis PNB recuaram 30,89% no período, e ON, 27,36%.

A Cesp perdeu R$ 4,7 bilhões em valor de mercado e a Copel, R$ 2,5 bilhões. A Cteep recuou R$ 2 bilhões no período, passando de R$ 7,1 bilhões. Das 31 empresas analisadas, apenas seis tiveram aumento de valor de mercado, no total de R$ 1,19 bilhão. São elas Rede Energia, Energisa, Cemat, Equatorial, Renova e Redentor.

Curto Circuito

A briga em torno do novo modelo

OBJETIVO: A medida provisória 579, que tem por objetivo reduzir os custos da energia em até 20%, prevê duas frentes: a renovação antecipada das concessões de energia e a redução de encargos.

ANTECIPAÇÃO: Muitas concessões, firmadas em períodos de pior situação econômica, carregam em seus preços o impacto desses custos e incertezas. Ao renovar antecipadamente as concessões, o governo imaginava que conseguiria expurgar parte desses custos, além de resolver o temor com o futuro de empresas em vias de ter as concessão encerradas.

INDENIZAÇÃO: A medida prevê uma indenização para as empresas que aderirem à renovação antecipada e aceitarem redução nas tarifas, para que depreciem de uma vez investimentos feitos com base na estrutura tarifária da época das concessões.

TRANSPARÊNCIA: Os empresários do setor reclamam da falta de clareza nas regras da MP . As empresas precisaram optar se iriam aderir ao novo modelo até 15 de outubro, mas detalhes do projeto e o valor das indenizações só foram conhecidos em 1º de novembro. A Cemig não quis incluir parte de suas usinas no novo modelo antes de conhecer a indenização . Divulgada a indenização , a Cteep também desistiu de participar .

VALORES: No setor , alguns previam que o governo ofereceria o dobro pelas indenizações (a oferta foi de R$ 20 bilhões). Os empresários reclamam ainda que o governo não especificou a metodologia adotada para chegar aos novos valores das tarifas. E criticam também, no caso das linhas de transmissão, que só serão indenizados investimentos a partir de 2000 — ignorando o período anterior , de pesados aportes.

NA JUSTIÇA: Empresários se queixam de que a MP tem uma regra de renúncias de direitos, que impede as empresas que aderiram ao plano do governo de recorrerem ao Judiciário para questionar pontos com os quais não concordem.

BRIGA COM OS ESTADOS: Além das empresas, os governos estaduais também estão contra o pacote para redução de tarifa elétrica. Eles reclamam que sua arrecadação com o ICMS sobre o setor elétrico cairá, já que as tarifas de energia serão menores. A estimativa é de uma perda de R$ 5,5 bilhões. E especialistas acreditam que será preciso reduzir a alíquota de ICMS que incide sobre o setor para haver, de fato, uma redução significativa no preço da energia