Título: Nem o juro baixo segura ganhos dos bancos
Autor: Villas-Boas, Bruno
Fonte: O Globo, 18/11/2012, Economia, p. 35

Em operações financeiras, Bradesco e Itaú Unibanco lucraram no ano R$ 48 bilhões, com alta de até 6,7%

Mesmo com a queda da taxa básica de juros (Selic) para o menor patamar histórico, a 7,25% ao ano, os grandes bancos continuam ganhando alto com aplicações em títulos públicos e no mercado financeiro. No acumulado dos nove primeiros meses do ano, os dois maiores bancos privados do país ganharam R$ 48 bilhões em operações financeiras no mercado, sem considerar empréstimos e ganhos com seguros. Levantamento da consultoria Lopes Filho & Associados mostra que no Bradesco (R$ 28,3 bilhões) houve uma alta de 6,7%, enquanto no Itaú Unibanco (R$ 19,8 bilhões) o aumento foi de 1,42%. Considerando os quatro maiores bancos brasileiros - Itaú Unibanco, Bradesco, Santander e Banco do Brasil -, eles apresentaram somados um ganho de tesouraria - como é chamada a área do banco que gere os recursos que pertencem às instituições - de R$ 81,5 bilhões nos primeiros nove meses desse ano, aumento em relação aos ganhos de R$ 81,1 bilhões do mesmo período do ano passado. Esses resultados incluem principalmente ganhos com juros, mas incluem também operações com ações, debêntures (títulos privados), derivativos (mercado futuro) e outras aplicações.

Segundo analistas, os bancos seguem ganhando alto, inclusive com títulos públicos, graças a apostas certas dos responsáveis por suas tesourarias. Os bancos montaram carteiras com grande participação de títulos públicos prefixados, por exemplo, que rendem mais quando ocorrem reduções abruptas e imprevistas nos juros básicos do país. São títulos como a NTN-B com vencimento em 2045, que rendeu mais de 30% neste ano.

- Os bancos tinham muitas apostas em títulos públicos prefixados. Esses títulos ganharam muito com a queda acelerada da Selic. Quando isso acontece, aumenta a demanda por esses papéis e eles se valorizam muito - explica João Augusto Salles, da Lopes Filho & Associados.

bradesco apostou em corte

Especialista em bancos da Brasil Plural, Eduardo Nishio afirma que um dos bancos com melhores resultados com aplicações em títulos públicos foi o Bradesco. Ele afirma que o banco foi o que mais se antecipou ao movimento de corte da Selic desde o ano passado.

- O banco provavelmente percebeu a disposição maior do governo em reduzir os juros no país e se posicionou estruturalmente para isso. Os resultados de tesouraria do banco tendem a seguir altos nos próximos trimestres, até o ano que vem - avalia o analista.

Segundo Geraldo Soares, superintendente de Relações com Investidores do Itaú Unibanco, os gestores também têm lançado mão de transações com um pouco mais de risco - de forma controlada, com limites estabelecidos - para elevar os ganhos de tesouraria. São operações como arbitragem de ações negociadas no Brasil e nos Estados Unidos, uma operação que aproveita distorções no preço dos papéis de empresas nos dois mercados. É uma "briga de peixe grande do mercado", segundo ele, em que uns ganham e outros perdem.

- A participação de títulos públicos tem, na verdade, caído na carteira do banco. Os lucros dos bancos vêm agora das operações de crédito. A conclusão disso é que para o banco interessam juros menores. Com isso, consigo emprestar mais e ter menor inadimplência - garante Soares.

Segundo Salles, essa mudança de estratégia passa ainda por aplicações em Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FDICs), Certificados de Depósito Bancário (CDBs) e debêntures (títulos de empresas). Há ainda operações com derivativos (contratos negociados no mercado futuro, por exemplo).

postura conservadora no bb

No caso do Santander e do Banco do Brasil, os resultados foram menores nos primeiros nove meses deste ano em comparação ao mesmo período do ano passado. O Santander teve ganhos de R$ 12,9 bilhões no período, uma queda de 1,44%. No Banco do Brasil, esses ganhos foram de R$ 20,4 bilhões, um recuo de 6,71%. Segundo especialistas, os resultados da instituição são explicados por sua postura mais conservadora em operações no mercado financeiro.

E, apesar da queda recente, os resultados do Santander e do BB com aplicações em títulos públicos e privados, além de outros investimentos, seguem no maior patamar dos últimos anos. Na verdade, essa queda dos dois bancos em 2012 pode ser explicada por resultados extremamente elevados em 2011, principalmente no terceiro trimestre. O Santander registrou, de julho a setembro do ano passado, ganhos de tesouraria de R$ 5,2 bilhões, aumento de 31%. No Banco do Brasil, foi de R$ 9,8 bilhões.

Esses ganhos das instituições com os títulos públicos prefixados chegaram a ser motivo de análise da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), órgão que fiscaliza e regulamenta o mercado de capitais brasileiro. O objetivo era avaliar se os bancos tinham informações privilegiadas. Em agosto de 2001, o Comitê de Política Monetária (Copom), do Banco Central (BC), cortou em 0,50 ponto percentual a taxa básica de juros, para 12% ao ano, surpreendendo o mercado. Essa investigação acabou sendo arquivada na CVM, que informou não ter encontrado indício de irregularidade na atuação de bancos.

ganho com títulos deve cair

Os ganhos ainda elevados com tesouraria não impediu, no entanto, que os bancos registrassem lucros menores no terceiro trimestre deste ano. Isso aconteceu nos resultados do Itaú Unibanco, cujo lucro encolheu 11,4% entre o segundo e terceiro trimestres de 2012, para R$ 3,37 bilhões. Já o Bradesco lucrou R$ 2,86 bilhões no terceiro trimestre, valor 1,7% maior que o registrado no mesmo período de 2011. Terceiro maior banco privado do país, o Santander Brasil viu seu lucro encolher 31,7% no terceiro trimestre, para R$ 591,5 milhões. O Banco do Brasil lucrou R$ 2,891 bilhões, queda de 5,97% em comparação a um ano antes.

- Esses ganhos de tesouraria com títulos públicos prefixados vão se reduzir. Os ganhos de tesouraria dos bancos não vão continuar altos como estão. Por isso, os bancos também têm olhado bastante títulos de empresas, as chamadas debêntures, que pagam juros melhores que os do governo - acredita Salles, da Lopes Filho.

busca de mais risco

Para Luis Miguel Santacreu, analista da Austin Ratings, os bancos tendem a manter uma posição mais agressiva nos mercados nos próximos anos.

- Os bancos vão correr atrás de mais prêmio, como os títulos privados, que remunerem acima da Selic. Se houver oportunidade de ganho com tesouraria, com oportunidades como nos mercados de câmbio e derivativos, eles vão atrás, desde que não coloque o banco em risco - acredita.

Procurados, Santander e Bradesco não comentaram os resultados. O BB informou que "não tem atribuição ou meta específica de tesouraria como centro de resultados".

Os bancos e os analistas gostam de separar as operações de tesouraria das instituições em duas áreas: a chamada tesouraria proprietária, que são os recursos do banco que ficam disponíveis para gestores fazerem aplicações de risco, e a tesouraria com recursos de gestão de caixa, que geralmente ficam rendendo em títulos públicos, de baixo risco e elevada liquidez. Os ganhos de R$ 81,5 bilhões de tesouraria nos nove primeiros meses deste ano expressam esses dois resultados. Os bancos não divulgam os dados separadamente em seus balanços.