Título: O aliado deve R$ 22 milhões
Autor: Herdy, Thiago
Fonte: O Globo, 17/11/2012, País, p. 3

Maluf, que apoia prefeito eleito de SP, é condenado a devolver dinheiro desviado do município

Paraíso fiscal. Maluf é acusado de desviar dinheiro público que abasteceu contas em Jersey; o ex-prefeito nega

Eliária Andrade/18-06-2012

NO RASTRO DO DINHERO

SÃO PAULO A Corte de Jersey, paraíso fiscal britânico, condenou duas empresas ligadas ao deputado federal Paulo Maluf (PP-SP), ex-prefeito de São Paulo, a devolver pelo menos R$ 21,7 milhões (US$ 10,5 milhões) desviados dos cofres públicos da capital paulista em 1997 e 1998, época em que seu aliado Celso Pitta administrava a cidade. A sentença foi divulgada ontem pelo Judiciário de Jersey. Ainda cabe recurso.

Os magistrados aceitaram a argumentação dos advogados da prefeitura de que as empresas offshores Kildare Finance e Durant International, ligadas ao ex-prefeito e a seu filho, Flávio Maluf, foram usadas como instrumento de lavagem de dinheiro. A rota do desvio de recursos envolvia empresas brasileiras responsáveis pela construção de obras contratadas pela prefeitura paulista, contas em Nova York e pagamento final no Deutsche Bank de Jersey. O procurador-geral do município, Celso Augusto Coccaro Filho, classificou a decisão como inédita e lembrou que os juízes definirão o valor dos juros a serem pagos pelo ex-prefeito, que terão função não apenas de recomposição monetária, mas punitiva.

- Com a aplicação dos juros compostos, aplicados em caso de fraude, o valor a ser restituído deve chegar a US$ 32 milhões (aproximadamente R$ 66 milhões) - disse o procurador-geral, lembrando que o município de São Paulo já bloqueou pelo menos US$ 22 milhões (R$ 45,5 milhões) das contas da família Maluf no exterior.

Caso obtenha na Justiça o volume máximo de juros, a prefeitura deverá buscar os US$ 10 milhões restantes em outros bens da família.

- É uma ação pioneira no país e muito importante para inibir a corrupção, que normalmente pode encontrar apoio na lavagem de dinheiro - disse o procurador-geral Coccaro Filho.

Na sentença, o juiz Howard Page escreveu que, embora os recursos tenham sido desviados na época em que Pitta era prefeito, a fraude foi originada na gestão de Maluf, prefeito entre 1993 e 1996. Os desvios teriam ocorrido na construção da Avenida Água Espraiada, atual Jornalista Roberto Marinho, uma de suas principais obras.

"Paulo Maluf era parte da fraude, pelo menos na medida em que ele e outras pessoas em seu nome receberam ou foram creditados com uma série de pagamentos secretos", escreveu o magistrado, lembrando que a maior parte dos recursos foi transferida, em seguida, para as contas das offshores Kildare Finance e Durant International.

Maluf sempre negou ter contas fora do país e argumentou que sua gestão fora aprovada pelo Tribunal de Contas. No processo, advogados das empresas informaram que ele tinha interesse "direto ou indireto" nas companhias, mas depois negaram e atribuíram a gestão das empresas a Flávio, filho do ex-prefeito. Em nota, a assessoria de Maluf disse considerar que a prefeitura seria parte "ilegítima na questão", pelo fato de as obras terem sido realizadas pela Empresa Municipal de Urbanização de São Paulo (Emurb), órgão da administração indireta, e não pela prefeitura. Alegou que a ação não teria embasamento legal, sob argumento de que obras em território nacional deveriam ser alvo de ação da Justiça brasileira e não estrangeira.

O promotor do Patrimônio Público e Social de São Paulo, Silvio Antônio Marques, responsável pela produção das provas usadas em ação civil pública de improbidade administrativa contra Maluf e apresentadas pela prefeitura no processo de Jersey, classificou a argumentação do ex-prefeito como "estapafúrdia".

- O dinheiro desviado dos cofres públicos está sob a jurisdição de Jersey. É Jersey que tem que determinar que esse dinheiro seja devolvido - disse o promotor, que considera a decisão importante para os processos contra Maluf no Brasil.

Liminar determina bloqueio de bens

O promotor obteve na Justiça liminar que bloqueia os bens de Maluf, sua esposa, os quatro filhos e outros parentes, em valor que não ultrapasse US$ 1,7 bilhão (R$ 3,5 bihões).

- Nas ações, estimamos um desvio de pouco mais de US$ 400 milhões no período em que Maluf foi prefeito. Caso os réus sejam condenados, terão que devolver valor correspondente a até três vezes esse total, por isso foi estabelecido o limite de US$ 1,7 bilhão - explicou o promotor.

Na nota, a assessoria de Maluf argumentou que ele não poderia ser responsabilizado pelo fato de não ser prefeito à época do desvio. Manteve a tese de que Maluf não seria ligado às empresas.

O deputado e seu filho, Flávio, estão no alerta vermelho da Interpol (Polícia Internacional) - índex dos criminosos mais procurados em todo o mundo, em função de um pedido da Justiça nos Estados Unidos. A ordem de prisão vale em 188 países. Maluf é processado nos EUA por fraude, roubo e lavagem de dinheiro, e por manter irregularmente contas bancárias no país. Se condenado, pode pegar até 25 anos de cadeia.

Perguntado sobre o risco de a aliança entre Maluf e o prefeito eleito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), influir no andamento do processo na administração municipal, o procurador disse não haver motivos para preocupação.

- Este caso começou em 2004, durante outra administração e nunca foi influenciado por motivação política. A Procuradoria Geral tem todas as condições de atuar com independência e finalizar o resgate dos recursos.