Título: Com o julgamento do mensalão, as coisas estão à flor da pele
Autor: Gois, Chico de
Fonte: O Globo, 17/11/2012, País, p. 4

Ministro mantém promessa de mais 60 mil vagas em presídios

Efervescência. Cardozo disse ter feito o mesmo comentário sobre presídios há 30 dias sem provocar repercussão

Ailton de Freitas/6-2-2012

BRASÍLIA O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, disse ao GLOBO que sua pasta atingirá a meta de ampliar em 60 mil o número de vagas nos presídios até 2014. De R$ 1,1 bilhão do programa lançado no ano passado, em 2012 só foram empenhados (reservados) R$ 270 milhões. Mesmo assim, o ministro acredita que é possível queimar etapas e, com isso, ganhar tempo. Cardozo voltou a falar sobre sua declaração de que as prisões brasileiras são medievais. Ele afirmou que há 30 dias já havia feito o mesmo comentário, mas que não houve repercussão. Para ele, a polêmica agora se deu porque "as coisas estão à flor da pele" por conta do julgamento do mensalão. O ministro, porém, não quis entrar em questões polêmicas. Recusou-se a comentar declarações do ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal, de que era melhor aplicar penas de ressarcimento ao erário em vez de mandar mensaleiros para a cadeia, e também não quis falar sobre o posicionamento do PT, seu partido, que, esta semana, criticou a condução do julgamento pelo STF.

O que o senhor achou da declaração do governador Geraldo Alckmin (PSDB) de que a violência em São Paulo é compatível com o tamanho do estado?

Eu não costumo entrar em considerações feitas por governos com os quais temos uma relação de parceria. Respeito quaisquer declarações, e não me cabe entrar no mérito.

Em Santa Catarina, há um problema semelhante ao de São Paulo. O governo do estado chegou a procurar o Ministério da Justiça? Que trabalho é possível fazer conjuntamente?

Temos mantido conversas cotidianas com o governador (Raimundo) Colombro (PSD). Ofereci ajuda do Ministério da Justiça. Ele disse que não teria dificuldade em aceitar, caso necessário. A Polícia Rodoviária Federal e o próprio Depen (Departamento Penitenciário Nacional) estão atuando lá, trocando informações e fazendo avaliações.

Por que, na sua opinião, os governos estaduais evitam pedir ajuda ao governo federal em questões de segurança? Os governos temem exploração política? Chegou-se a dizer que o senhor seria candidato ao governo de São Paulo.

É muito difícil ter uma explicação uniforme sobre isso. Às vezes, o governo acha que é desnecessária a atuação federal e avalia que, com suas próprias forças, pode contornar a situação. Às vezes há, sim, problemas políticos. Temos ainda - e faço uma autocrítica porque pertenço à classe política - uma imaturidade muito grande na classe política, que não consegue pôr o interesse público acima de seus interesses eleitorais imediatos. Mas cada vez mais o Brasil tem adquirido um espírito republicano.

Do programa lançado no ano passado para os presídios, que previa investimento de R$ 1,1 bilhão, em 2011 gastou-se R$ 270 milhões, e este ano há só o mesmo valor empenhado (reservado). Por que a execução está lenta?

Não existe propriamente uma trava. O governo Lula deixou muitas unidades contratadas. Dessas, já entregamos sete mil vagas e temos em construção outras 16 mil. Essas unidades já foram contratadas e estão sendo executadas. No caso do nosso plano, lançado ano passado, há todo um procedimento necessário para fazer os contratos. Primeiro, os estados têm que escolher um terreno, depois é necessário apresentar o projeto, que tem que ser aprovado por nossos órgãos técnicos, e depois vêm a licitação e a contratação. Em situação normal, uma casa prisional demora em torno de três anos para ficar pronta. Houve casos em que a demora foi de sete anos. Não estamos dispostos a aceitar isso.

Mas se um presídio demora três anos para ficar pronto, o governo vai conseguir cumprir a meta de ter 60 mil novas vagas até 2014?

Estamos tomando medidas que agilizam o procedimento. No passado, cada estado apresentava seu projeto e tínhamos de fazer a análise desse projeto. Para facilitar o trâmite, fizemos uma inovação: criamos projetos modelos. Os estados escolhem de acordo com sua realidade. Estamos queimando etapas. Como a situação prisional é gravíssima, não podemos nos dar ao luxo de esperar cinco ou seis anos para fazermos um presídio. Vamos encurtar o processo, porque vamos eliminar a análise no departamento e análise na Caixa Econômica Federal. Vamos ganhar um ano no prazo. Isso nos dá esperança de cumprir a meta em 2014.

Voltando à sua afirmação desta semana, que gerou polêmica: como o senhor avalia sua declaração no atual momento político de julgamento do mensalão?

O que me chamou a atenção é que sempre fui muito crítico ao sistema penitenciário. Como ministro, há cerca de 30 dias eu falei exatamente o que eu disse, e não houve muito destaque nos jornais. Não havia novidade. Sempre critiquei muito a omissão das autoridades ao enfrentar o problema. Seria absurdo, como ministro, mudar de posição. Essa ideia de que um governante deve falar o que é bom e esconder o que é ruim é de uma ética deplorável. Como ministro, tenho falado reiteradamente o que falei. Acho que, por força de situações que estão acontecendo nestes dias no Poder Judiciário, particularmente o julgamento do mensalão, as coisas estão à flor da pele.

O ministro Dias Toffoli disse que condenados por desvios de dinheiro deveriam pagar financeiramente, em vez de ir para a cadeia. Isso não gera dois tipos de julgamento?

Eu não quero comentar nenhum posicionamento judicial. Os comentários do ministro Toffoli foram feitos durante uma sessão de julgamento e, portanto, não me sinto confortável em fazer comentários.

Há levantamentos sobre quantas pessoas de colarinho branco estão nestas prisões medievais, como o senhor classificou?

Não há esse levantamento, é impossível. O problema no Brasil - e isso vale para qualquer forma de atuação ilícita - não é de legislação. O problema é a aplicação das leis, a efetividade das leis. A partir dessa ótica é que temos de discutir eventuais mudanças na legislação e que tem que se dosar penas, tem que ter um critério de proporcionalidade sistêmico. Discutir os casos em que a punição é a perda da liberdade e o que não é. Isso deve ser feito de forma sistêmica, e não tópica, para esse crime ou aquele crime.

Como viu as críticas que seu partido, o PT, fez ao julgamento do mensalão?

Se eu comentasse o posicionamento do meu partido estaria violentando o mesmo princípio. No dia que sair do Ministério da Justiça, manifesto minha opinião.