Título: Varig: mulher de juiz da falência faz certidões
Autor: Otavio, Chico ; Brunet, Daniel
Fonte: O Globo, 28/11/2012, País, p. 11

MP investigará suposto conflito de interesses na escolha de cartório que emite documentos para empresa

A VRG Linhas Aéreas, empresa desmembrada da massa falida da Varig, é cliente do cartório onde trabalha a escrevente Ilka Regina Miranda, mulher do juiz responsável pela falência, Luiz Roberto Ayoub, titular da 1ª Vara Empresarial da capital. A própria Ilka, em 7 de novembro do ano passado, lavrou em nome do cartório, o 8º Ofício de Notas, uma procuração na qual a VRG constitui sete advogados, um do Rio e os demais de São Paulo. No site do cartório, são citados outros três clientes ligados à falência da Varig: a Fundação Ruben Berta, acionista controlador da empresa aérea, a consultoria Delloite, que administrou a fracassada recuperação judicial da Varig, e a Oliveira Trust, que participou do processo. Após saber da ligação, a 4ª Promotoria de Tutela Coletiva da capital decidiu instaurar inquérito civil ontem para investigar o suposto conflito de interesses envolvendo o juiz e sua mulher.

Na última segunda-feira, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) abriu sindicância para apurar a existência de uma ação entre amigos nas varas empresariais do Tribunal de Justiça do Rio (TJ-RJ), destinada a favorecer parentes e protegidos de magistrados com a administração judicial das massas falidas mais lucrativas. Jaime Nader Canha, amigo do juiz Ayoub e gestor judicial da Varig, foi um dos três advogados citados em série de reportagens sobre o assunto, publicada desde domingo pelo GLOBO. Os outros dois são Fabrício Dazzi, marido da juíza Natascha Maculan Adum Dazzi, da 3ª Vara Empresarial, e Wagner Madruga do Nascimento, filho do desembargador Ferdinaldo Nascimento, da 19ª Câmara Cível.

O Tribunal de Justiça também vai investigar a existência do esquema, a pedido de Ayoub. Por envolver um desembargador, o relator do processo administrativo será o próprio presidente do TJ, desembargador Manoel Alberto Rebelo dos Santos.

- A apuração será a mais transparente possível - afirmou o desembargador Luiz Fernando Carvalho, da comissão mista de Comunicação do TJ.

Ilka, ex-dona de loja na Tijuca, assumiu a função de escrevente do 8º Ofício, no Centro do Rio, em 2009, quando o cartório foi assumido pelo tabelião Gustavo Bandeira, ex-juiz da 1ª Vara Empresarial. Na época, seu marido já cuidava do processo da massa falida da Varig. O 8º Ofício de Notas do Rio lavra as procurações e faz autenticações de documentos para a empresa. Num processo como o da falência da Varig, que já foi uma das maiores empresas do país, a burocracia movimenta milhões de reais.

gestor diz desconhecer relação

A diretora do Sindicato Nacional dos Aeronautas Graziela Baggio, que acompanha de perto a luta dos ex-funcionários da companhia por seus direitos, pediu que o caso seja apurado.

- Os cerca de 150 trabalhadores que continuam na Varig estão bastante envolvidos em buscar uma economia dos custos gerados durante a massa falida. Não sei se esse cartório é mais barato, mais caro. Mas tem cartório que, de acordo com o movimento de autenticação e etc, dá até um preço mais acessível. Isso tudo tem que ser apurado.

Jaime Nader Canha, que assumiu a função de gestor judicial da Varig em outubro de 2010, disse não saber que Ilka Regina Miranda atua como escrevente das procurações da Varig.

- Não tenho ciência desse assunto - limitou-se a dizer.

Por duas vezes, O GLOBO entrou em contato com a substituta de tabelião do 8º Ofício de Notas do Rio, Andréa Rozendo. Ela prometeu falar com o tabelião e retornar as ligações, mas não cumpriu.

- Eu não posso me pronunciar. Não conheço ela, não conheço o juiz. Chequei aqui (ao cartório) há pouco tempo.

O grupo Varig foi o primeiro do país a pedir a recuperação judicial, em junho de 2005, quatro meses após a promulgação da Lei de Falências. A empresa foi dividida em duas: a nova Varig, que ficou com a marca e sem dívidas, e a velha Varig, que assumiu um passivo estimado em R$ 7 bilhões. A nova Varig foi vendida, em 20 de julho de 2006, para sua ex-subsidiária VarigLog, que a revendeu à Gol em março de 2007. Com isso, a Gol passou a ter direito aos slots , que são as permissões para pousos e decolagens nos aeroportos brasileiros. Diante da saturação dos terminais do país, esses slots são cobiçados no setor. A antiga Varig, por sua vez, passou a se chamar Flex em 2008 e seguiu em recuperação judicial. Sem gerar receita suficiente, a aérea teve a sua falência decretada em agosto de 2010.

estações de rádio serão leiloadas hoje

Os ativos estão sendo leiloados para pagar aos credores. Um centro de treinamento de aeronautas, na Ilha do Governador, referência mundial, e estações de rádio operadas pela antiga Varig para orientação de pousos e decolagens de várias empresas estão entre eles. Hoje, haverá o leilão da dessas estações, no qual Jaime Nader Canha espera arrecadar R$ 1,8 milhão. Em agosto do ano passado aconteceu a primeira tentativa de vender o Flex Communication Center, mas o leilão terminou sem interessados. A avaliação de R$ 1,8 milhão foi feita pela perícia da 1ª Vara Empresarial do TJ. No total, a expectativa é arrecadar R$ 300 milhões com os leilões dos bens da massa falida, sendo que a dívida da empresa giraria em torno de R$ 18 bilhões.

Pela Lei de Falências, prestadores de serviços para a massa falida têm preferência para receber, ou seja, têm o dinheiro liberado antes do pagamento a todos os credores, inclusive os que têm créditos trabalhistas. Quando a falência possui bens, mas não tem dinheiro, os administradores trabalham inicialmente sem qualquer pagamento, sabendo que, após os leilões, receberão remuneração, que pode chegar a 5% do total dos ativos. Segundo fontes do Judiciário, uma das estratégias usadas por administradores do esquema revelado pelo GLOBO para aumentar os ganhos seria demorar a acabar com a falência para vazar dinheiro da massa falida.