Título: Internação de novo na berlinda
Autor: Costa, Ana Claúdia; Werneck, Antônio
Fonte: O Globo, 20/11/2012, Rio, p. 7

Para futuro secretário, brecha na lei pode ser saída para tratamento obrigatório de usuários.

Futuro secretário estadual de Assistência Social e Direitos Humanos, o deputado estadual Zaqueu Teixeira (PT) entrou na polêmica sobre a melhor forma de enfrentar o crescimento do consumo de crack no estado, ao defender o uso de brechas na lei para a internação compulsória dos usuários da droga. Segundo o parlamentar, atual presidente da Comissão de Segurança da Assembleia Legislativa (Alerj), há mecanismos que possibilitam ao Ministério Público, em casos extremos, nomear um curador com poder de interditar o dependente, obrigando-o a se submeter ao tratamento médico.

- Cada caso é um caso. Não dá para levar todo mundo e internar. Não defendo a internação imediata. Mas, se a pessoa for acolhida duas ou três vezes e voltar, o caso é mesmo de internação - defendeu Zaqueu Teixeira.

Desde que o prefeito Eduardo Paes defendeu no mês passado a internação compulsória de adultos usuários de crack, o assunto vem dividindo opiniões. Enquanto a prefeitura estuda uma estratégia que lhe permita adotar a medida, especialistas e autoridades ligadas ao tema discutem questões relacionadas à eficácia e à legalidade da iniciativa. Na última semana, o secretário de Segurança, José Mariano Beltrame, entrou na discussão: ele também defende a internação compulsória, preocupado com a escalada da droga, inclusive no interior fluminense.

APENAS 58% da verba foi usada

O presidente do Tribunal de Justiça do Rio, desembargador Manoel Alberto Rebêlo, também é favorável à ideia. Mas alguns especialistas são contra. Assim como outros colegas, a professora de psiquiatria da Uerj Maria Theresa de Aquino alega que a internação deve ser uma opção do paciente.

Zaqueu deverá assumir a Secretaria de Assistência Social só no próximo ano e vai ter muito o que fazer no combate ao crack. Uma das medidas é usar a totalidade dos R$ 12 milhões repassados anualmente, pela Secretaria estadual de Saúde, para atendimento a usuários de crack e outras drogas, como o álcool. É que seu antecessor na pasta, o também deputado pelo PT Rodrigo Neves, eleito prefeito de Niterói, aplicou apenas 58% do montante, deixando a cargo do seu sucessor aplicar o resto - como admitiu ontem a Secretaria de Assistência Social. Atualmente, o órgão é comandado por um secretário interino

Em nota enviada ao GLOBO, a Secretaria de Assistência Social informou que o repasse de R$ 12 milhões é referente ao exercício de 2012 e que, até outubro, foram gastos apenas R$ 7 milhões. Com o dinheiro, foram criadas 150 vagas em três Centros de Atendimento Regionalizados (Care) e que há previsão de mais 140 para o início de 2013.

Já a Secretaria estadual de Saúde informou que, com a expansão do crack para o interior do estado, como revelou O GLOBO no último domingo, está em contato com os representantes de cada um dos municípios, para que todas as regiões tenham unidades de saúde para o tratamento de dependentes.

Enquanto as autoridades não chegam a um consenso, a droga continua fazendo vítimas e assustando. Ontem, repórteres do GLOBO voltaram a flagrar usuários próximo à entrada da Favela Parque União, em Ramos. Em outro ponto da cidade, no bairro de Madureira, usuários estão preocupando comerciantes. Lojistas do Mercadão de Madureira dizem estar apreensivos com o aumento do número de viciados. Na Avenida Ministro Edgard Romero, a principal do bairro, viciados perambulam, pedem dinheiro e praticam furtos e pequenos roubos.

De acordo com o chefe da segurança do Mercadão, Samuel de Souza, os dependentes não costumam entrar no centro comercial, mas ficam nas imediações, o que já é suficiente para assustar os clientes.

- O principal alvo dos viciados em crack são as mulheres e os idosos. À noite, quando o comércio fecha as portas, mais de 200 viciados ficam aglomerados debaixo das marquises da avenida. Isso aqui está ficando tão perigoso quanto a Avenida Brasil - diz Souza, referindo-se à cracolândia do Parque União, na entrada da Ilha do Governador.

Sem se identificar, um comerciante com loja na Edgard Romero afirma temer que a presença cada vez mais constante de viciados na região afaste os clientes no período próximo ao Natal.

- Se continuarmos convivendo com a presença desses cracudos aqui, vamos perder a clientela, com certeza. Eles ficam perambulando e esperando uma oportunidade para praticar pequenos furtos e roubos. Precisamos de um maior patrulhamento na região para evitar esses delitos - disse.

Secretário quer ação nacional

Zaqueu Teixeira defende uma articulação nacional em torno da dependência do crack, uma vez que a droga já é usada em todo o país.

- Quero aprofundar esse debate na Alerj para tentar buscar soluções para a epidemia de crack, como a sugestão da criação de grandes centros para a recuperação de viciados - concluiu o futuro secretário.

Desde maio de 2011, a prefeitura já faz o abrigamento compulsório de crianças e adolescentes, num trabalho com o Juizado da Infância e da Adolescência e o Ministério Público estadual. Hoje, 123 menores estão sob a cautela do município no programa. As operações de internação compulsória de adultos, contudo, ainda estão sendo elaboradas.