Título: Sem limites para a poluição global
Autor: Baima, Cesar
Fonte: O Globo, 29/11/2012, Ciência, p. 42

Com o fim da vigência do protocolo que restringia emissões de países, novo acordo deve focar na pegada de carbono do consumo

O mundo pós-Kioto

É fato. A partir de 1º de janeiro de 2013, nenhum país do mundo estará obrigado a cumprir metas de emissão de gases causadores do efeito estufa. O fim dos compromissos assumidos no Protocolo de Kioto, assinado há 15 anos, deixará o planeta sem um tratado internacional de combate ao que grande parte dos cientistas acredita estar por trás do aquecimento global e das mudanças climáticas.

Reunidos em Doha, no Qatar, para a 18ª Conferência das Partes da Convenção do Clima das Nações Unidas (COP-18), representantes de quase 200 países não deverão chegar a um acordo para uma possível prorrogação do já esvaziado protocolo. E só levarão à frente as conversas em torno de um novo pacto a ser fechado em 2015, mas cujas obrigações só entrariam em vigor a partir de 2020 ou, quiçá, em 2030, porque "concordaram em concordar" com isso no encontro anterior, realizado em Durban, África do Sul, no ano passado. A causa do impasse é velha conhecida: os países desenvolvidos querem que as nações emergentes como Brasil, China e Índia também assumam compromissos para suas emissões, o que não aconteceu em Kioto.

- Temos que mudar o jeito que negociamos. A máxima operante hoje é: se você não fizer daí, eu não faço daqui. É tudo uma questão de transferência de responsabilidades - resumiu o embaixador André Corrêa do Lago, chefe da delegação brasileira em Doha.

Oportunidade para novo modelo

Estas discussões, no entanto, apresentam a oportunidade de mudar o modelo adotado em Kioto e que fracassou em seu objetivo de reduzir as emissões globais de gases-estufa, aponta Dieter Helm, professor de Política Energética da Universidade de Oxford, em artigo publicado na edição desta semana da revista "Nature". Segundo Helm, observar apenas as emissões totais dos países, sem levar em conta sua pegada de carbono, isto é, as emissões associadas à produção de bens e serviços que consomem, deixou o campo aberto para a simples transferência de indústrias poluidoras e de alto uso de energia dos países desenvolvidos, que tinham metas a cumprir, para as nações emergentes, as quais estavam livres de limitações sob o protocolo.

"O aquecimento global não considera fronteiras nacionais. Se um consumidor americano compra um carro, não faz diferença se o aço do qual ele é feito foi fabricado nos EUA ou na China", argumenta Helm.

Assim, apesar de a maior parte das nações ricas ter cumprido suas obrigações e o grupo ter reduzido suas emissões totais em cerca de 16% com relação ao níveis de 1990, a Humanidade continuou a lançar cada vez mais poluentes na atmosfera, ultrapassando 50 bilhões de toneladas de CO2 equivalente (que inclui metano, óxidos de nitrogênio e outros gases-estufa) em 2010, quase 31% acima de 1990. E a discussão ganha ainda mais relevância diante do fato de o Qatar, sede da COP-18, ser um dos maiores poluidores per capita do planeta, com emissões de 63,66 toneladas de CO2 equivalente por habitante em 2010, mais de sete vezes as 8,31 toneladas de cada brasileiro.

E enquanto os diplomatas discutem em Doha o mundo pós-Kioto, a natureza segue seu curso. Em relatório lançado ontem na COP-18, a Organização Mundial de Meteorologia (OMM) afirmou que 2012 deverá ser o nono ano mais quente desde o início dos registros, em 1850, apesar de seus primeiros meses terem sofrido o efeito resfriador do fenômeno La Niña.

- As mudanças climáticas estão acontecendo diante de nossos olhos e continuarão como resultado das concentrações de gases-estufa na atmosfera, que aumentam constantemente e atingiram novo recorde - disse Michel Jarraud, secretário-geral da OMM.

O Painel Intergovernamental sobre Mudanças do Climáticas (IPCC) também lançou em Doha novo alerta sobre os riscos de eventos extremos.

- Para a maioria da população, as mudanças climáticas só fazem sentido quando são visíveis aos olhos. E eventos como o furacão Sandy são o melhor exemplo disso - lembrou Jean-Pascal van Ypersele, vice-presidente do IPCC.