Título: Despedida melancólica do Protocolo de Kioto
Autor: Baima, Cesar
Fonte: O Globo, 27/11/2012, Ciência, p. 34

Nova rodada de negociações da ONU começa sem grandes expectativas de novo acordo para limitar emissões de gases estufa.

Delegações de quase 200 países deram início ontem em Doha, no Qatar, a mais uma rodada de negociações do clima da ONU sem grande expectativa de chegarem a um acordo, seja para prorrogação do Protocolo de Kioto, que expira este ano, ou a assinatura de um novo tratado que estabeleça metas para emissão de gases causadores do efeito estufa. Assinado há 15 anos na cidade japonesa que lhe empresta o nome, o protocolo foi o primeiro, e até o momento único, instrumento internacional a obrigar seus signatários, particularmente os países mais desenvolvidos, a reduzir ou limitar o lançamento de gases-estufa na atmosfera, tendo como alvo um corte médio até o fim de 2012 de 5,2% das emissões registradas em 1990.

Embora grande parte dos países tenha atingido ou até ultrapassado as metas estabelecidas no Protocolo de Kioto, algumas das nações que mais lançam CO2 nunca ratificaram suas participação no acordo ou ficaram livres de limitações para suas emissões. No primeiro caso, o exemplo mas claro é dos Estados Unidos, enquanto no segundo figuram países como a Índia e a China, hoje a maior emissora mundial de gases-estufa. Com isso, os ganhos do corte de emissões dos países que cumpriram sua parte dentro do protocolo foram praticamente anulados, construindo um cenário para o que deverá ser uma despedida melancólica do tratado.

Assim, entre os diplomatas reunidos na 18ª Conferência das Partes da Convenção do Clima das Nações Unidas (COP-18) em Doha, prevalece o consenso de que o melhor resultado deste encontro será chegar a um compromisso para que seja negociado um novo instrumento vinculante que pelo menos dê seguimento às metas estabelecidas pelo Protocolo de Kioto.

- Alguns vão dizer que o melhor que podemos ter não é suficiente, mas se conseguirmos negociar no ano que vem um novo instrumento, para termos uma maneira mais efetiva de atingir nossas metas de combate às emissões, Doha será um marco nas conferências climáticas - disse o embaixador André Corrêa do Lago, negociador-chefe da delegação brasileira.

Apesar de União Europeia e Austrália terem sinalizado que concordariam com uma prorrogação do Protocolo de Kioto, são poucas a esperanças de que isso venha a acontecer. O Canadá abandonou o tratado no ano passado, enquanto Japão, Rússia e Nova Zelândia anunciaram sua saída com o fim do compromisso este ano e os EUA mantêm a posição de não se vincularem a nenhum tipo de metas obrigatórias e insistem que elas devem incluir também os países em desenvolvimento, como China, Índia e Brasil, que por hora perseguem apenas alvos voluntários de redução de emissões.

- Se os países desenvolvidos, que têm os recursos, as tecnologias, não estão sendo ambiciosos, como os países em desenvolvimento podem ser? - argumentou Corrêa do Lago. - Eles mal fizeram o que modestamente se comprometeram a fazer e não estão comprometidos em ser ambiciosos. As pessoas esperam que os não desenvolvidos liderem. E de certa maneira lideram, quando colocam metas voluntárias para si próprios. Os que não têm compromissos obrigatórios estão fazendo mais do que os demais.

Atlântico mostra sinais do impacto do CO2

Enquanto os diplomatas discutem em Doha, os efeitos do aumento da concentração de dióxido de carbono (CO2), principal gás do efeito estufa, na atmosfera já são sentidos na natureza. Além de contribuir para o aquecimento global, o CO2 provoca uma crescente acidificação dos oceanos. Estudo publicado na edição desta semana da revista "Nature Geoscience" mostra que a maior acidez da água está dissolvendo as conchas das lesmas marinhas, espécies de zooplâncton do grupo pteropoda que estão entre as principais fontes de alimento de peixes e são parte fundamental do próprio ciclo de carbono dos oceanos, isto é, o processo pelo qual eles absorvem e emitem o elemento.

Os pesquisadores examinaram uma área do oceano próxima à Antártica em que a força dos ventos faz com que a água fria do fundo seja empurrada para a superfície, fenômeno conhecido como ressurgência. Estas águas profundas costumam ser mais corrosivas ao tipo de carbonato de cálcio que as lesmas marinhas usam para construir conchas, criando um limite para sua ocorrência que encontra-se por volta de mil metros de profundidade. Os cientistas verificaram, porém, que a acidificação elevou o limite para apenas 200 metros sob a superfície.