Título: Meio PIB com Previdência
Autor: Duarte, Alessandra; Benevides, Carolina
Fonte: O Globo, 02/12/2012, País, p. 3

O Brasil está envelhecendo em ritmo mais acelerado do que o previsto. Isto acontece por causa da intensa queda da fecundidade e do aumento da expectativa de vida. Se nada for feito para preparar o país para este novo cenário, com cada vez mais idosos e menos crianças e população em idade ativa, uma pesquisa do Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (Iess) estima que de 46% a 57% do PIB (a variação depende do crescimento da economia) estarão comprometidos apenas com a Previdência em 2030. Hoje, esta proporção é de 19%. A mesma pesquisa prevê também que o envelhecimento populacional trará impactos nos gastos com saúde pública, que crescerão 150% no mesmo período.

Além de preparar o país para garantir qualidade de vida à população idosa sem sacrificar crianças e jovens no futuro, as mudanças impõem também outro desafio: melhorar a produtividade da mão de obra. Haverá menos trabalhadores na ativa, e os que estarão ainda enfrentarão problemas como a baixa qualificação. A transição demográfica, no entanto, oferece também oportunidades para amenizar esses problemas. Com menos crianças na população, fica mais fácil aumentar o investimento per capita na infância.

Os autores do estudo do Iess defendem que as mudanças necessárias à preparação do país para este novo cenário não sejam mais adiadas.

- A projeção que aponta que o país terá que gastar com a Previdência 46% do PIB daqui a 18 anos serve para deixar claro que um ajuste é necessário. Se começar agora é menos doloroso; quanto mais for postergado, pior fica. É hora de a sociedade ficar atenta, ou a próxima geração vai pagar - diz Luiz Augusto Carneiro, superintendente-executivo do Iess e professor da USP.

- Gastar mais de 40% do PIB com aposentadoria é levar o país a um colapso. Para evitar isso, imaginando que não mude a regra que cola o salário-mínimo ao benefício mínimo, a solução passa por um conjunto de medidas que pode, por exemplo, acabar com os diferentes tempos de contribuição para homens e mulheres - acrescenta Kaizô Beltrão, professor da FGV e um dos autores do estudo do Iess.

Outro estudo, coordenado pela pesquisadora do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) Ana Amélia Camarano, projeta que a população do país começará a encolher, como reflexo dessa transição demográfica, antes do que se previa. A última projeção feita pelo IBGE, divulgada em 2008, apontava que esta queda começaria a acontecer a partir de 2040. Nas contas mais atualizadas feitas por Ana Amelia com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios de 2011, a virada acontecerá em 2030.

As projeções mostram ainda a diminuição da parcela dos trabalhadores em idade ativa:

- Desde 2000, já está caindo o percentual dessa parcela em relação à população total; a partir de 2030, começa a diminuir em valores absolutos (indo de 155,5 milhões em 2030 para 154,8 milhões em 2035) - completa Ana Amélia. - A parcela da população com menos de 20 anos já está diminuindo. Em 2020, toda a parcela com menos de 30 anos começa a cair com mais força; e, em 2030, toda a parcela com menos de 40.

A preparação do país para esse novo perfil da sua população terá de levar em conta ainda que, como a população está vivendo mais, também aumentará o tempo que se passa sem trabalhar e a parcela daqueles que dependem da Previdência. Estudo inédito do pesquisador da UFMG Bernardo Lanza Queiroz, apresentado há duas semanas no XVIII Encontro Nacional de Estudos Populacionais, aponta que, enquanto em 1950 cerca de 90% da população de 60 a 64 anos trabalhavam, em 2000 esse percentual passou para 65%. A diferença é maior quando se comparam os percentuais da população acima de 65 anos: em 1950, mais de 60% trabalhavam; em 2000, 30%.

- A tendência é a mesma em outros países. O que pode explicar isso são principalmente dois motivos: a vinda de um sistema previdenciário e o desenvolvimento econômico dos países, pois a sociedade, com um nível de riqueza e bem-estar maior, pode deixar de trabalhar mais cedo. Antes, tinham que trabalhar até morrer. O século XX foi o século da aposentadoria - afirma Lanza.

A pesquisa também mostrou, segundo o pesquisador, que as pessoas, atualmente, não deixariam mais o mercado de trabalho por questões de saúde, pois a qualidade de vida de um homem de 65 anos em 1950 não é a mesma de um homem de 65 em 2010 - mas, sim, de um homem de 74. Os 74, seriam, assim, os novos 65:

- Isso mostra que, hoje, a população tem qualidade de vida bem maior, mas, por outro lado, a taxa de atividade caiu.

Moradora da Glória, na Zona Sul do Rio, a aposentada Maria do Céu de Figueiredo, de 76 anos, aposentou-se aos 60. E, apesar de ser contra a alteração da idade mínima de aposentadoria, defende que as pessoas permaneçam ocupadas após se aposentarem:

- Quando a pessoa vai envelhecendo, vai aumentado o gasto dela com saúde, remédio. As doenças começam a aparecer. Meu marido, com 81 anos, toma, só para os problemas de coração, dez remédios. Eu tomo oito. Então é importante a pessoa ter essa renda garantida da aposentadoria. Mas você não pode se encostar. Eu continuo até hoje fazendo artesanato, por exemplo. Você tem que continuar se ocupando com alguma coisa, até para viver melhor, sentir que tem algo para fazer.

- Se a população de 60 anos ou mais, segundo o IBGE, vai ser multiplicada por 3,5 entre 2010 e 2050, a reforma da aposentadoria é desejável agora, porque esses idosos estão hoje ingressando no mercado de trabalho. No Brasil, as pessoas acham razoável se aposentar aos 52, 53 anos, o que é inadmissível no resto do mundo - diz o economista do BNDES Fábio Giambiagi.

Ele aponta alguns caminhos para a mudança.

- A partir da reforma, pode haver uma regra mais dura para quem ingressar no mercado de trabalho, mas também uma regra de transição. Funcionaria assim: para quem ingressou pouco tempo antes da reforma, a nova regra seria aplicada quase na íntegra. O erro é mudar e querer aplicar a mesma regra para quem trabalha há um mês e quem trabalha há 34 anos.

O economista também acredita que é preciso reduzir as diferenças entre homens e mulheres:

- E, claro, mudar o sistema de pensões. No Brasil, uma pessoa de 20 anos casa com um senhor de 80 anos, que morre um mês depois, e deixa pensão integral. Com as projeções demográficas que temos, tem que haver compromisso com as gerações futuras. A reforma deve ser tratada como questão de Estado, e não de governo.

Já para Ana Amélia Camarano, do Ipea, o país precisa se preparar não apenas em relação à Previdência, mas principalmente em relação à força de trabalho para as décadas seguintes:

- Você terá menos gente contribuindo, então claro que vai impactar a Previdência. Mas todo mundo só fala da Previdência, quando você pode encontrar outras fontes para custeá-la além das contribuições. Há fontes já previstas e não utilizadas nessa conta, como lucro das loterias e imposto sobre lucro das empresas. A questão nem será haver menos gente contribuindo, a questão é: quem vai trabalhar? Hoje, por problemas como falta de qualificação, mão de obra já é um gargalo, juntamente com infraestrutura - afirma.

Ana Amélia defende que o debate sobre a solução do problema não fique restrito ao aumento da idade mínima para aposentadoria:

- Acho que o que deve ser feito é, mantendo-se essa idade mínima, encontrar formas de estimular que o já aposentado continue trabalhando, como criar um bônus sobre os salários dos mais idosos, que seja associado, por exemplo, à qualificação.

Segundo a pesquisadora, a solução passaria, ainda, pelo combate ao preconceito que há nas empresas contra trabalhadores mais velhos.

- Como podemos combatê-lo? Qualificando essa população mais idosa, para que estejam atualizados com o que há no mercado de trabalho; e investindo em saúde do idoso e saúde ocupacional, porque muitos empregadores não contratam pessoas mais velhas porque acham que vão faltar muito por causa de doença. E esse investimento em saúde diminuiria também as aposentadorias por invalidez. Outro ponto crucial é o investimento em serviços de cuidadores para idosos; além do cuidado com os filhos, muitas mulheres deixam de trabalhar para cuidar de pais idosos - sublinha Ana Amélia Camarano. - O problema de se arranjar mais dinheiro para a Previdência, nesse quadro, tem solução mais simples, porque dinheiro é pagar. Agora, onde vai arranjar gente para trabalhar?