Título: Última cartada
Autor: Allan, Ricardo
Fonte: Correio Braziliense, 13/10/2009, Economia, p. 14

Equipe econômica ressuscita antiga proposta de desoneração da folha de pagamentos. Plano é de uma economia de 11% a 35%, o que estimularia novas contratações com carteira assinada

A equipe econômica quer concluir o segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva com uma última medida de impacto: a desoneração da folha de pagamentos das empresas. A um ano e três meses do fim do governo, o diagnóstico é de que não há tempo para voos maiores, como a reforma tributária. A ideia é acelerar os projetos já em andamento, como os investimentos em infraestrutura e o programa habitacional, e apostar na diminuição dos encargos. Com uma economia entre 11% e 35% na folha, estimativa que leva em conta o modelo final a ser adotado e o setor de atuação das companhias, haveria mais estímulo para a contratação de trabalhadores com carteira assinada.

O Ministério da Fazenda só espera a recuperação das receitas tributárias, afetadas pela crise internacional, para retomar a discussão. ¿No momento atual, não podemos adotar a medida porque qualquer dinheiro é relevante. Mas quando a arrecadação se normalizar, o que vai ocorrer em breve, vamos ter espaço para novos cortes de impostos. A desoneração da folha é a primeira da lista. Seria um fecho de ouro para o governo Lula¿, afirma um importante membro da equipe econômica. O recolhimento de impostos já caiu por 10 meses seguidos. De janeiro a agosto, as perdas somaram R$ 11,45 bilhões. Segundo o técnico, com a recuperação da economia e taxas de juros menores, a administração poderia abrir mão de recursos e, ainda assim, assistir a uma queda da dívida pública.

O plano do governo Lula é reduzir a contribuição previdenciária patronal, dos atuais 20% sobre o valor da folha para algo em torno de 14% em até seis anos. Isso custaria aos cofres federais até R$ 20,5 bilhões por ano quando o processo for finalizado. Penduricalhos como o salário-educação e o seguro contra acidentes de trabalho passariam para um tributo sobre o valor agregado. A ideia original era transferir esses encargos para o IVA a ser criado na reforma tributária, mas nada impede que eles venham a engordar as contribuições sociais, como o PIS e a Cofins. O governo não tem a intenção de diminuir os direitos trabalhistas, como as férias e o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS).

Mantega Um dos principais defensores da medida, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, acredita que a formalização dos trabalhadores possibilitada pela desoneração compensaria parte das perdas de receitas, mesmo com a diminuição da alíquota da contribuição previdenciária. Nos últimos meses, ele voltou a falar no assunto, principalmente fora do país. Existia a vontade de mexer na contribuição para o Sistema S (Sesi, Senai, Sebrae, Sesc, Senac e outras instituições), que corresponde a 5,8% sobre a folha. O governo sempre quis pôr as mãos nessa receita. Mas avalia que qualquer movimento nessa área provocaria resistência política, o que dificultaria a aprovação das medidas no Congresso, especialmente num ano eleitoral.

Os cortes de impostos sobre investimentos e exportações, próximos itens na lista de desonerações, ficariam para o sucessor de Lula. Na avaliação do técnico, quem tomar posse em janeiro de 2011 terá de enfrentar quatro desafios principais. O envelhecimento da população aumentará a pressão sobre a Previdência Social, que precisará passar por uma reforma. Os custos econômicos do aquecimento global não poderão ser ignorados. O terceiro ponto será como lidar com as receitas de exportação do petróleo do pré-sal, sem que o real se valorize excessivamente diante do dólar. A nova administração também terá de impedir a hipertrofia do setor petrolífero, que pode drenar investimentos de outros setores.

¿É preciso trabalhar uma agenda de competitividade para o país. O governo Lula fez muita coisa, mas o próximo também terá desafios¿, afirma. O último ponto identificado é aumentar os investimentos em infraestrutura, educação, saúde e segurança. Além dos avanços sociais que isso permitiria, a economia também ganharia com um povo mais bem preparado, saudável e seguro. A equipe econômica acredita que o país consolidará um crescimento superior a 5% anuais, sem gerar pressão inflacionária. ¿A partir do ano que vem, voltamos a crescer fortemente.¿ Para 2009, a expectativa oficial é de 1%, nível considerado bom depois da recessão que tomou conta do mundo.

Bolo O Sistema S é o conjunto de nove organizações administradas por confederações empresariais na área da indústria, comércio, agricultura e transportes. Elas prestam serviços de treinamento profissional, assistência social, consultoria para a abertura de negócios, cultura e lazer para a população. As entidades são mantidas com a cobrança de uma contribuição parafiscal de 2,5%, incidente sobre a folha de pagamento das empresas. O orçamento anual é de R$ 11 bilhões.