Título: Governo lava as mãos em CPI do MST
Autor: Pariz, Tiago
Fonte: Correio Braziliense, 14/10/2009, Política, p. 3

No Congresso, o governo deixou o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) à própria sorte. Depois da cena de destruição dos laranjais de uma fazenda invadida no interior de São Paulo, as lideranças governistas dizem que, caso a oposição consiga as assinaturas necessárias para criar a CPI do MST, não pretendem se esforçar para engavetá-la.

Essa é a segunda tentativa do DEM de criar uma investigação parlamentar em cima dos sem-terra. A primeira não prosperou graças a uma atuação pesada da base aliada, que conseguiu persuadir 42 deputados a retirarem suas assinaturas depois de eles terem endossado a proposta.

Mas diferentemente da mobilização anterior, os governistas lavaram as mãos. Não pretendem fazer um amplo processo de convencimento de retirada de assinaturas. O trabalho está sendo limitado em orientar deputados de partidos que apoiam o presidente Luiz Inácio Lula da Silva a passarem longe da iniciativa encabeçada pelo líder do DEM na Câmara, Ronaldo Caiado (GO), pelo deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS) e pela senadora Kátia Abreu (DEM-TO). Mas quem assinar não será alvo de coerção ou de pressão para retirar o apoio.

Os opositores anunciaram que conseguiram as assinaturas necessárias para a CPI. Segundo Lorenzoni, 172 deputados e 32 senadores endossaram o requerimento. São necessárias 171 e 27 assinaturas, no mínimo. A oposição trabalha com a hipótese de coletar 180 apoios na Câmara para criar uma folga caso haja desistências posteriores ou assinaturas que não conferem.

Os governistas, entretanto, estão céticos quanto aos números apresentados pela oposição e dizem que ela não vai conseguir o apoio mínimo. ¿Deve ter muita assinatura duplicada. Duvido que eles vão conseguir. Mas se conseguiram, não faremos nenhum esforço para retirar as assinaturas. Fizemos um trabalhão no requerimento anterior e três dias depois eles aparecem destruindo pés de laranja. Deram um tiro no próprio pé¿, disse um líder governista.

A CPI foi pensada pela oposição para investigar repasses de verbas federais a entidades e organizações ligadas ao MST(1). Segundo o DEM, esses recursos teriam chegado a R$ 115 milhões entre 2004 e 2008. O ministro do Desenvolvimento Agrário, Guilherme Cassel, negou que todo esse montante tenha sido injetado no movimento. Desse total, R$ 65 milhões foram destinados às empresas de assistência técnica e rural dos estados (Emater) e R$ 23 milhões são de recursos do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).

¿Não ajuda resolver os conflitos agrários criminalizar os movimentos sociais, especialmente o MST¿, afirmou o ministro em audiência no Senado. ¿Mas isso não tem nada a ver com essa última ação que foi gravíssima de destruição dos laranjais¿, emendou. O ex-deputado Plínio de Arruda Sampaio, presidente da Associação Brasileira de Reforma Agrária (Abra) disse que o episódio da fazenda Santo Henrique foi distorcido. ¿Sou a favor do MST, mas não falo com procuração deles. Neste país, o substantivo tem menos peso que o adjetivo¿, criticou.

Estratégia A oposição viu com desconfiança a tática de lideranças governistas de deixar o MST à própria sorte e reuniu-se ontem para discutir um contra-ataque para que a CPI saia do papel. Eles pretendem continuar coletando assinaturas sob argumento que há muita pressão dos deputados aliados do presidente Lula em não deixar a iniciativa prosperar. A tentativa inicial da oposição não vingou porque o lobby pró-MST foi intenso. Mas depois da CPI ser engavetada, um grupo de sem terra invadiu a fazenda Santo Henrique, da Cutrale. Na ação, foram destruídos tratores e 7 mil pés de laranja, num estrago avaliado em R$ 3 milhões.

1 - Investigação Por não ser sociedade organizada sem CNPJ, o MST é um movimento sem representação oficial. Por isso, para receber dinheiro do governo federal, os repasses são feitos para entidades como a Associação Nacional de Cooperação Agrícola (Anca) e a Confederação das Cooperativas de Reforma Agrária. O Tribunal de Contas da União (TCU) realizou investigações que resultaram no bloqueio de contas da Anca, justamente por injetar ilegalmente a verba federal nos sem-terra.

Guerra de versões

A disputa em torno da criação da CPI do MST transformou-se numa guerra de versões. De um lado os produtores rurais, representados pela Confederação Nacional da Agricultura (CNA), de outro, o governo, encarnado pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Contradições sobre verba federal e pesquisas com dados imprecisos estão sendo usadas como arma para aumentar a temperatura no Congresso. O governo garante que não sustenta o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra com dinheiro federal. ¿O governo não financia o MST. Isso é falso¿, disse o ministro Guilherme Cassel. O líder do DEM na Câmara, Ronaldo Caiado (GO), voltou a afirmar que o próprio ministro confirmou em ofício encaminhado à liderança que repassou R$ 115 milhões a entidades ligadas aos sem-terra de 2004 a 2008. ¿O ministro Cassel é o Delúbio Soares do MST. Usa dinheiro público para financiar ilegalidades¿, disse, referindo-se ao ex-tesoureiro do PT e um dos pivôs do esquema do mensalão.

Nessa rede de intrigas, a CNA divulgou pesquisa realizada pelo Ibope com mil pessoas em nove assentamentos de nove estados. Os dados, coletados entre 12 e 18 de setembro, mostraram que 37% não produzem nada, 72,3% não geram renda na propriedade e 75% não possuem acesso em crédito de programas do governo. ¿Isso mostra que fomos incompetentes ao fazer a reforma agrária¿, disse a senadora Kátia Abreu (DEM-TO), presidente da confederação. O presidente do Incra, Rolf Hackbart, disse que a pesquisa não é representativa e foi elaborada para desqualificar o trabalho do órgão. ¿Não tem amostragem suficiente. Ela foi direcionada para mostrar que a reforma é desnecessária. Mas ela é, sim, necessária para ajudar a desenvolver o país.¿ O universo analisado pelo Ibope representa 0,1% do total de assentados no país ¿ 950 mil, segundo o Incra. (TP)