Título: De volta à Câmara
Autor: Braga, Isabel
Fonte: O Globo, 07/12/2012, País, p. 4
Mais de 40 anos depois de terem sido cassados por atos institucionais da ditadura, 18 ex-deputados retornaram ontem ao plenário da Câmara, e receberam, simbolicamente, seus mandatos de volta. A comitiva, que também era composta por parentes e representantes de outros 60 deputados cassados e deputados daquela legislatura, subiu a rampa do Congresso e percorreu o Salão Negro sob gritos emocionados dos deputados Domingos Dutra (PT-MA) e Luiza Erundina (PSB-SP), autora da iniciativa, que repetiam: "Ditadura nunca mais, viva a democracia, a Casa do povo os recebe, sejam bem-vindos!!!" Entre 1964 e 1977, 173 deputados federais tiveram mandatos cassados pelo regime militar. Desses, 28 estão vivos.
Erundina é a coordenadora da Comissão Parlamentar Memória, Verdade e Justiça da Câmara. Para ela, todos devem trazer a público os fatos daquele período de exceção.
- As novas gerações devem saber que muitas pessoas pagaram caro para que a gente pudesse estar hoje vivendo em uma democracia. Hoje é um dia de celebrações, algumas tristes, outras alegres. Ou a gente passa a limpo aquela história (da época da ditadura) e encaminha um processo de reparação e justiça às vítimas ou a nossa democracia estará inacabada, incompleta - disse, completando: - Sem revanchismo, sem vingança, com espírito de perdão também. Quem tem culpa precisa desse perdão para que as vítimas se sintam reparadas.
Entre os 18 deputados cassados que compareceram à cerimônia de ontem, estava Alencar Furtado (MDB-PR). Hoje com 87 anos, ele demonstrou tristeza ao falar da cassação do mandato, nos anos 70, mas alegria com a atitude da comissão. Disse que foi o último a ser cassado e que conseguiu retornar ao Congresso só depois da anistia.
- Eu era líder do MDB, em campanha para o Senado, não podia deixar de apontar que estava tendo tortura e fui cassado, arbitrariamente, pelo discurso que fiz. Como líder do MDB eu tinha o dever de me solidarizar com os que estavam sofrendo a tortura. Fiquei sabendo da cassação quando cheguei para jantar. É uma boa lembrança da Erundina - disse Furtado.
Cassado em 1964, Plínio de Arruda Sampaio, que na época era do PDC, também estava feliz com a homenagem. Sentou-se na primeira fila, ao lado de outros cassados, e comentou:
- Uma coisa interessante, bonita essa que a Erundina está fazendo! Já voltei depois da anistia e às vezes tenho vontade de voltar (ao Parlamento), mas é muita mão de obra.
O presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS), abriu a sessão saudando os homenageados e depois convidou todos a fazer o juramento que fazem os deputados quando são empossados. Um vídeo sobre as cassações mostrou alguns dos presentes e relembrou casos mais tristes, como o do deputado Rubens Paiva, morto pela ditadura. Sentados nas cadeiras estavam, entre outros cassados, o relator da Constituinte, Bernardo Cabral (MDB-AM), Almino Afonso (PTB-AM) e Lígia Doutel (MDB-SC), que discursou em nome dos homenageados.
- Tivemos mandatos cassados. Isso feriu nossa dignidade e nosso direito de cidadãos. Essa Casa foi atingida na sua dignidade e sua independência. Mais do que homenagem, é um ato de reparação política e histórica, de justiça - disse Lígia Doutel.
A sessão durou mais de três horas. Foi aberta uma exposição sobre o período, com a inauguração do painel "A verdade ainda que Tardia", de Elifas Andreato, que retrata cenas de tortura.