Título: E-mails devassados
Autor: Sassine, Vinicius
Fonte: O Globo, 30/11/2012, País, p. 3

A suposta atuação do ex-número dois da AGU José Weber Holanda Alves no esquema de compra e venda de pareceres jurídicos é maior do que o admitido até agora pelo advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, como mostram as investigações da PF. Ex-advogado-geral adjunto, Weber não só cuidou de elaborar pareceres, mas também vazou para Paulo Vieira, ex-diretor da Agência Nacional de Águas (ANA), apontado como chefe da quadrilha, todo o conteúdo de mensagens trocadas entre advogados da União.

Documento do inquérito civil público do Ministério Público Federal em São Paulo, remetido à Polícia Federal, diz que Weber transferia as mensagens de seu e-mail institucional da Advocacia Geral da União para um e-mail pessoal. A partir daí, fazia os encaminhamentos a Vieira.

Os procedimentos da AGU em relação às instalações portuárias da empresa Tecondi, que já havia sido alvo de um processo no Tribunal de Contas da União (TCU), foram repassados por Weber a Paulo Vieira, conforme o documento do MPF enviado à PF. A Tecondi tinha interesse em receber áreas do Porto de Santos que não estavam listadas na concorrência que havia disputado. Pareceres da União poderiam ajudar a garantir que a empresa recebesse um setor valorizado do porto.

Coube ao então advogado-geral adjunto "provocar institucionalmente" a AGU a fim de tomar as providências, segundo as investigações. "Na mensagem, afirmou categoricamente que o caso é urgente", cita o MPF. O caso da Tecondi, segundo a PF, resultou em pagamento de propina ao denunciante do esquema, o ex-auditor do TCU Cyonil Borges.

pf revela organograma que inclui spu

A PF incluiu Weber num organograma que detalha o funcionamento do esquema em outra área do governo federal, a Secretaria do Patrimônio da União (SPU) em São Paulo, vinculada ao Ministério do Planejamento. O ex-número dois de Adams aparece como entreposto da AGU na movimentação para favorecer o ex-senador Gilberto Miranda (PMDB-AM), que tem casa e negócios em ilhas no litoral paulista.

A intenção do ex-senador, segundo a PF, era transferir os processos de exploração das ilhas à União. Uma sentença da Justiça do Estado de São Paulo estabeleceu que a Ilha das Cabras pertence ao Parque Estadual de Ilhabela. O ex-senador recorreu ao Supremo Tribunal Federal. Em três ofícios, um deles assinado por Adams, a AGU pede para fazer parte do processo. A defesa de Gilberto Miranda não fez qualquer objeção à entrada da União.

Servidores da SPU indiciados pela PF, em conversas telefônicas degravadas para a investigação, discutem sobre uma nota técnica do órgão referente à Ilha das Cabras. "Alguém da SPU não concorda que o processo vá pra AGU", cita a PF, ao resumir o diálogo. Os servidores - Mauro Henrique Costa Sousa e Evangelina Pinho - combinam de "dar uma ligadinha" para reforçar o pedido de avocação do processo à AGU.

Mauro Sousa chega a conversar com Vieira sobre pagamento de propina, conforme diálogo transcrito pela PF. As investigações mostram que Vieira revisou o parecer em questão.

Em outro trecho do inquérito, que transcreve um diálogo entre os irmãos Vieira, indiciados pela PF, há uma menção explícita ao nome do advogado-geral da União. Rubens fala sobre um procedimento encaminhado "sexta-feira pro Adams".

A conversa de dois minutos e meio ocorreu em 2 de abril deste ano. Depois de ler o inquérito da PF sobre a Operação Porto Seguro, Adams admitiu ontem que a avocação do caso da Ilha das Cabras para a AGU é um dos atos de Weber sob suspeita e sob investigação interna do órgão desde a deflagração da operação da PF.

Adams: atos irregulares são cancelados

O advogado-geral da União confirmou que o processo chegou à AGU por iniciativa de Weber e que chegou a ser remetido ao gabinete da ministra do Planejamento, Miriam Belchior. O despacho, de outubro de 2011, é assinado pelo próprio Weber. Todos os atos foram cancelados, segundo Adams. Sobre o procedimento que teria sido encaminhado diretamente pelos irmãos Vieira ao ministro, Adams afirmou não ser possível especificar sobre o que se trata.

Além da avocação do processo sobre a Ilha das Cabras, outros dois documentos produzidos pela AGU por influência de Weber perderam a validade jurídica: o parecer sobre a Ilha dos Bagres, também em favor de Gilberto Miranda, e um "despacho sobre aforamento de uma ilha, se era oneroso ou gratuito", conforme Adams, que não falou sobre o caso da empresa Tecondi.

- O Weber era um dos três adjuntos, tinha função de assessoramento. Cabia a ele receber e encaminhar as demandas para os setores competentes. O adjunto fala em nome do ministro, mas não necessariamente traduz minha opinião - disse Adams sobre seu ex-braço direito.

O Ministério do Planejamento citou o "sigilo de justiça" para não comentar a investigação da PF. Procurado, Weber não foi localizado.