Título: Acordo dá sobrevida a Protocolo de Kioto, mas não traz mudanças
Autor: Grandelle, Renato; Clark, Nathália
Fonte: O Globo, 09/12/2012, Ciência, p. 53

Mais de 190 países concordaram ontem com a prorrogação do Protocolo de Kioto, que expiraria no fim deste ano, até 2020. Para chegar à decisão, negociadores viraram a noite durante a 18ª Conferência do Clima da ONU (COP-18), no Qatar. O acordo, porém, tem mais efeito simbólico do que prático.

Embora seja o único documento que determina legalmente metas para emissões de carbono, Kioto hoje abrange apenas 15% da liberação de gases-estufa. Os Estados Unidos nunca ratificaram o protocolo. Japão, Índia, Canadá e Nova Zelândia abandonaram o tratado nos últimos anos. As emissões de gases-estufa estão 50% maiores do que em 1990, enquanto o objetivo do pacto seria de reduzi-las em pelo menos 5%.

Financiamento será discutido em 2013

Outro ponto-chave que deveria ser decidido na reunião, o financiamento de US$ 100 bilhões para que nações em desenvolvimento possam se adaptar a uma economia verde, foi adiado para o ano que vem. Em 2015, por sua vez, o planeta deve negociar um acordo que estabeleça limites de emissões de carbono para todos os países. O novo tratado substituiria Kioto em 2020.

- Queremos um novo instrumento que assegure que todos os países terão obrigações - revelou o negociador-chefe do Brasil, Luiz Alberto Figueiredo. - Precisamos de ordem no sistema, e ordem se dá com um compromisso legalmente vinculante.

Para a ministra do Meio Ambiente do Brasil, Izabella Teixeira, Kioto expressa a convicção de que as mudanças climáticas precisam de comprometimento mútuo de todos os países, e a conquista em Doha é um "resultado histórico". Izabella, porém, mostrou na plenária sua insatisfação com uma suposta inércia dos países desenvolvidos.

- O Brasil está trabalhando com sucesso para reduzir o desmatamento - ressaltou. - Infelizmente, não vemos a mesma disposição dos países desenvolvidos, que estão fugindo de seus compromissos. Não estão tomando a liderança nem dão suporte às nações em desenvolvimento para ações de mitigação e adaptação.

Professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília, Eduardo Viola é ainda mais crítico em sua análise da conferência. Para ele, Kioto não deveria ser renovado, mesmo que essa atitude significasse a entrada do planeta em um "vácuo legal" - ou seja, um período sem qualquer legislação global relacionada às mudanças climáticas.

- O protocolo cria a ideia de que existe um tratado global, embora não passe de uma ilusão - condenou. - Com os países que ainda estão no acordo, Kioto determina metas basicamente para a União Europeia, que já tem sua própria política climática. Seria mais sincero se, no fim da convenção, os negociadores reconhecessem que a Humanidade não faz esforços suficientes para combater as mudanças climáticas.

A proposta aprovada permite apenas que créditos de carbono sejam usados para cumprimento de metas domésticas, ou seja, não libera a comercialização do gás. Só ficam disponíveis para o mercado internacional, no máximo, 2% da sobra - uma espécie de "bônus" para países com mais obrigações.

A Rússia, que foi o maior entrave à renovação de Kioto nos últimos dois dias, optou por uma posição neutra em público. Para não sofrer ônus político, seu negociador-chefe, Oleg Shamanov, se limitou a dizer que seu país não concordava com o texto e, por isso, não entraria no acordo.