Título: Foco forçado no Oriente Médio
Autor: Barbosa, Flávia
Fonte: O Globo, 09/12/2012, Mundo, p. 50
O recente conflito na Faixa de Gaza, a aprovação do status de Estado observador para a Palestina nas Nações Unidas e o recrudescimento da situação na Síria praticamente sepultaram o plano do presidente americano, Barack Obama de fazer da Ásia Oriental o foco central da política externa dos EUA no seu segundo mandato. Os eventos desde a reeleição, no início de novembro, recolocam o Oriente Médio na linha de frente com desafios inéditos provocados pela chegada ao poder de islamistas e quatro pontos principais: o processo de paz entre Israel e Palestina; os desdobramentos do governo da Irmandade Muçulmana no Egito; a guerra civil na Síria; e o ímpeto nuclear do Irã. Para analistas, acabou o tempo de distanciamento para Obama e o engajamento com a região é essencial.
Por ironia do destino, o conflito entre Israel e o Hamas chegou à fase mais dramática duas semanas após a reeleição, enquanto Obama e a secretária de Estado, Hillary Clinton, estavam em visita à Ásia, buscando cooperação econômica e militar de carona na importância da China. O presidente americano comandou por telefone negociações com Israel e Egito e despachou de lá Hillary para pessoalmente encerrá-las.
- Obama queria uma guinada à Ásia e o Oriente Médio o puxou de volta. Isso só mostra que mesmo que você tente ignorar o Oriente Médio (crítica recorrente a Obama), o Oriente Médio se impõe - afirmou Robert Danin, do Council on Foreign Relations (CFR).
Poder limitado
Os EUA, com a intermediação decisiva do Egito, obtiveram o cessar-fogo em Gaza. Mas o conflito cristalizou a influência do Hamas e a dificuldade da retomada das negociações de paz entre Israel e os palestinos, com a criação de dois Estados, sem levar em consideração a organização radical, que domina Gaza e defende a violência como instrumento político, não endossa acordos prévios, sequer reconhece Israel e tem afinidade ideológica com governos pós-Primavera Árabe.
Ao mesmo tempo, o conflito demonstrou a fragilidade da liderança da Autoridade Nacional Palestina, de Mahmoud Abbas, que comanda a Cisjordânia e é o negociador reconhecido por EUA e Israel, mas não teve voz no conflito. O quadro se complicou ainda mais pela votação na ONU. Se Abbas fizer uso dos caminhos abertos pelo status de observador, como ingressar no Tribunal Penal Internacional contra os israelenses, para melhorar sua condição política doméstica, os canais para negociações de paz praticamente se fecham. Para Salman Shaik, diretor do Centro Doha do Brookings Institution, este é o pior cenário possível e exige uma ação americana:
- Se não houver um caminho viável para a paz, se não houver um empurrão agora do governo Obama, veremos não só o declínio de Abbas, mas o declínio de liderança comprometida com os objetivos (de dois Estados).
Eric Trager, do Washington Institute for Near East Policy, vê o poder de influência dos EUA limitado neste momento. Sem o Hamas disposto a fazer concessões, resta à diplomacia americana apostar no desenvolvimento econômico da Cisjordânia, em contraposição à empobrecida Faixa de Gaza:
- A Cisjordânia tem colhido benefícios econômicos com o fim das hostilidades a Israel. Os EUA devem continuar a pressionar neste sentido, na esperança de que os palestinos reajam ao ressentimento com o Hamas, que governa de forma muito autocrática.
Não é uma tarefa fácil: senadores conservadores já pressionam por cortes no financiamento americano à Autoridade Nacional Palestina em retaliação à ação unilateral na ONU.
O poder econômico dos EUA também será decisivo nas relações com o Egito, comandado pela Irmandade Muçulmana. Apesar de o presidente Mohamed Mursi ter sido apontado como fundamental na costura do cessar-fogo, Trager lembra que o egípcio não conversou com os israelenses. Além disso, alerta o especialista, comunicados recentes da Irmandade insistem numa jihad contra Israel. Ou seja: apesar de Mursi ter sido pragmático no conflito, não há nada que assegure que ele não colocará em prática a radical agenda da Irmandade, se afastando de um projeto democrático de poder.
janela se fechando no irã
Para analistas, uma das questões mais difíceis para Obama é o quanto os EUA estão dispostos a repetir o erro do passado, de fechar os olhos para ataques domésticos à democracia como os que Mursi patrocina atualmente e que resultam em monumentais protestos, rasgando o compromisso feito na Primavera Árabe, em troca de estabilidade imediata no tabuleiro regional.
- É improvável que os EUA consigam mudar a ideologia da Irmandade. Mas têm ferramentas para moldar seu comportamento. O Egito precisa de ajuda econômica e militar, está negociando um pacote com o FMI. Os EUA têm que pressionar, pois Mursi mostrou seu potencial nas últimas semanas (com mudanças na legislação que aumentam seu poder) - afirma Trager.
Na Síria, a ameaça concreta de uso de armas químicas pelo governo de Bashar al-Assad está acelerando a ação americana. Assad dá sinais contínuos de que está perdendo a batalha para os rebeldes, e os EUA gostariam de uma transição negociada, rumo a um Estado de Direito. Os aliados no Golfo Pérsico, porém, têm como foco a deposição do regime, apoiam diferentes facções da oposição e querem o fortalecimento dos sunitas, embora os rebeldes abriguem diferentes correntes.
- Tanto os EUA quanto os Estados árabes querem a saída de Assad. Mas a coincidência de interesses acaba aí - diz Robert Malley, do CFR.
No caso do Irã, os EUA estão sob pressão crescente para apertar o cerco. Obama precisa buscar novas sanções econômicas e políticas e uma nova rodada de negociações com Rússia e China, interlocutores do Irã. Declarações recentes do presidente da agência nuclear internacional e de Hillary deixaram a impressão em analistas de que os EUA veem o período até março como última janela para negociações com o Irã. O uso da força poderia então ser apreciado.
"Por que o governo Obama decidiu por este novo prazo? Talvez, como o governo Bush (com o Iraque), simplesmente tenha se cansado do Irã", escreveu em artigo Micah Zenko, especialista em segurança nacional, na revista "Foreign Affairs".