Título: Em outros países, governos evitam concentrar riqueza
Autor: Scofield, Gilberto; Barbosa, Flávia
Fonte: O Globo, 09/12/2012, País, p. 6

A liberdade que unidades de governo menores (como estados, províncias ou municípios) possuem para tributar cidadãos e empresas varia muito de país para país, mas praticamente todos os governos centrais possuem um mecanismo de redistribuição de renda entre seus estados e cidades porque a concentração de riqueza é inevitável, diz o economista da FGV Fernando Rezende, ex-presidente do Ipea. Mesmo que estados e municípios tenham muita liberdade para criar impostos, como nos EUA, a quantidade populacional e o nível de atividade econômica são o que determinam, afinal, a produção de renda e, consequentemente, dos tributos. E a concentração populacional e industrial é presente de forma desigual nos territórios de praticamente todos os países do mundo.

Em federações maduras como Austrália, Alemanha ou Canadá, os governos centrais estabelecem um piso mínimo de orçamento para cada unidade menor da federação em relação à quantidade de habitantes e o que consideram como um padrão de vida mínimo de qualidade. Este orçamento per capita costuma ser revisto de tempos em tempos, mas ele é que servirá de base para a redistribuição da renda nacional. O governo central cria um fundo único que vai sendo preenchido com recursos até atingir o valor do orçamento para cada unidade.

- Este fundo é revisto anualmente de acordo com as necessidades da unidade. Se, num ano, uma determinada cidade sofre com alguma tragédia climática, no ano seguinte ela recebe mais para compensar os gastos ou as perdas. Ou seja, o processo de redistribuição é dinâmico e atualizado - explica Rezende.

Nos EUA, não há um regime de equalização de receitas ou qualquer obrigação legal de transferência de recursos para os 50 estados e suas cidades. Com participação do Congresso, Washington decide como alocar as verbas federais do orçamento a partir de fórmulas que variam programa a programa. Assim como em outros países, há indicadores de níveis de pobreza, renda e desenvolvimento econômico para se aplicar esses programas, que são avaliados em termos de eficácia.

Segundo Mark Robyn, do instituto Tax Foundation, as transferências federais - prioritariamente à seguridade social, educação e transporte - representam 25% das receitas das administrações regionais, que gozam de grande autonomia, inclusive arrecadatória. Considerando-se todas as despesas do governo federal, estados mais pobres, como Lousianna e Mississippi, recebem mais que os ricos, como New Jersey e Califórnia. Mas os caminhos para esse resultado, que tem impacto redistributivo, são bem diferentes dos brasileiros.

- A Constituição dos EUA não exige transferências de recursos do governo central para estados e cidades, elas ocorrem voluntariamente. De forma geral, gastos sociais são mais baseados em necessidade. Já para outras despesas, como Transporte, há uma espécie de teste de mérito sobre os projetos - explica Steve Entin, do Instituto de Pesquisa sobre a Economia da Tributação.

Nos anos 70, chegou a ser implementado nos EUA o programa "Repartição de recursos" (Revenue sharing), pelo qual o governo central simplesmente mandava recursos do Orçamento para uso geral dos estados, tomando como base níveis de pobreza, população e capacidade de arrecadação, numa fórmula mais próxima da dos fundos brasileiros de participação dos Estados (FPE) e dos Municípios (FPM). No início dos 80, quando o caixa federal passou a ser deficitário, o programa foi cortado.

Na China, tradicionalmente a criação e o recolhimento dos impostos esteve nas mãos das províncias até que uma reforma tributária em 1994 obrigou o repasse dos impostos para o governo central. A descentralização gerava problemas para empresas que tinham operações em várias províncias, pois cada uma tinha seus impostos e suas regras. Com a centralização da arrecadação, as províncias perderam poder, mas muitas ainda camuflam impostos locais como taxa para complementar seus orçamentos e transferir menos recursos para o governo.

Hoje, as transferências para as províncias e municípios são feitas com base em orçamentos elaborados pelos próprios governos locais, supervisionado pelo Conselho de Estado, que é o organismo executivo central do país. Na China, muitas despesas que são típicas de governo central, como a Previdência, estão nas mãos das províncias (e empresas estatais), o que diminui o poder de Pequim em relação à arrecadação. É preciso destacar que, apesar de comunista, não há serviços públicos inteiramente gratuitos, sendo os mais pobres subsidiados nas redes públicas de hospitais e nas escolas públicas. Estes subsídios também são feitos pelas províncias, evidenciando um quadro que é o oposto do brasileiro: as províncias criam taxas para não ter que transferir recursos para o governo central.