Título: A reação brasileira e as lições da crise
Autor: Ometto, João Guilherme Sabino
Fonte: Correio Braziliense, 14/10/2009, Opinião, p. 15

Vice-presidente da Fiesp, é presidente do Grupo São Martinho e membro do Conselho Universitário da Universidade de São Paulo (USP)

Confirma-se, paulatinamente, que o Brasil é um dos primeiros países a emergir da crise mundial, além de ter sido um dos últimos a sentir de modo mais grave os seus efeitos, após a sua internacionalização no quarto trimestre de 2008. É importante analisar as razões que estabeleceram os diferenciais e consubstanciaram a rápida reação do país, assim como os gargalos persistentes, de maneira a potencializar o crescimento sustentado da economia nacional.

Não há dúvida de que um dos principais motivos pelos quais o Brasil tem enfrentado em melhores condições essa grande turbulência pode ser encontrado na gestão das empresas e instituições financeiras. Nossos vícios viraram virtudes: as empresas e instituições financeiras brasileiras estavam muito pouco alavancadas, devido à errada política econômica de altos juros. Embora não tenha sido por um bom motivo, o fato é que o nosso mercado preservou-se da contaminação globalizada pelo vírus da especulação irresponsável.

Também foram importantes as políticas públicas governamentais, como a redução dos depósitos compulsórios no Banco Central, a redução da taxa básica de juros e a redução de tributos sobre automóveis e eletrodomésticos. As reservas cambiais superiores a US$ 200 bilhões constituem outro fator que contribuiu para a proteção da economia nacional, principalmente tornando-a mais blindada contra os ataques especulativos que os oportunistas de plantão sempre tentam fazer em momentos de incerteza.

Um dos indicadores mais positivos da reação à crise verifica-se no mercado imobiliário. Números recém-divulgados apontam aumentos expressivos na comercialização de casas e apartamentos no segundo trimestre deste ano em relação aos três meses imediatamente anteriores. As taxas de crescimento variam de 10% a quase 100%, segundo resultados prévios dos balanços das empresas do setor. Com a queda da taxa de juros e a volta do crédito, o mercado recupera o fôlego, impulsionado também pelos programas governamentais de incentivo. Nos imóveis, os prazos eram longos, mas os preços continuavam altos. A queda dos juros e os subsídios permitiram às empresas fixarem prestações viáveis à população de baixa renda.

Trata-se de fenômeno similar ao que ocorreu nos setores de eletrodomésticos e carros. Aliás, nesse último segmento são estimulantes as notícias relativas aos investimentos programados pelas indústrias já presentes no país e montadoras de outras bandeiras que anunciam a sua próxima presença em nosso território. O foco, agora, é mesmo o consumidor nacional. Já somos o quinto maior mercado mundial.

Por seu lado, em toda essa epopeia de navegação do Brasil nos mares revoltos da crise, duas lições ficaram muito claras. A primeira refere-se à reforma tributária, que não pode mais ser adiada. O efeito positivo da queda de impostos, testada na prática e num momento muito sensível, deixa clara a necessidade de um regime de tributos menos oneroso, que estimule a produção e não sufoque o poder de investimentos das empresas.

A segunda lição diz respeito à imprudência de manter juros muito altos quando não há risco de inflação de demanda ou quando as metas inflacionárias não são ameaçadas. Nesse caso, há um aspecto adicional a ser observado: o juro real ainda não está no patamar adequado, principalmente porque o spread bancário continua muito alto. É preciso revê-lo! Por fim, destacamos a repetição do erro da omissão frente à forte valorização cambial.

Mais do que comemorada, a positiva reação brasileira a uma crise que realmente balançou as maiores economias do mundo deve servir de reflexão para que entendamos o quanto é importante remover os gargalos e estruturar cada vez mais o país para o crescimento sustentado e o enfrentamento de oscilações e crashs do mercado global. Um sistema de impostos mais racional, reforma trabalhista capaz de desonerar os custos atrelados ao salário, investimentos mais amplos para melhoria da infraestrutura, em especial de transportes, e manutenção de um patamar viável de juros são providências ao nosso alcance.

Também é preponderante uma gestão do câmbio que elimine a excessiva volatilidade, que dificulta a tomada de decisões e impõe fortes perdas ao setor produtivo. Implementar todas essas medidas seria passo importante para consolidar o processo de fortalecimento e avanço do Brasil da condição de emergente à de nação desenvolvida.