Título: Sem acordo com os russos
Autor: Berlinck, Deborah ; Bonfanti, Cristiane
Fonte: O Globo, 15/12/2012, Economia, p. 45

Dilma, após reunir-se com Putin, não consegue pôr fim ao embargo à carne brasileira

Missão frustrada

MOSCOU, BRASÍLIA e SÃO PAULO - Dilma Rousseff e o presidente russo, Vladimir Putin, anunciaram ontem acordos de cooperação em várias áreas - da defesa à organização de megaeventos esportivos. Mas fracassaram em fechar o único acordo importante para o principal setor de exportação para a Rússia: carne. Três grandes estados produtores - Rio Grande do Sul, Paraná e Mato Grosso - sofrem com embargo para aquele país desde junho do ano passado, por motivos sanitários. E todas as tentativas do governo de restabelecer o comércio falharam.

Dilma não apenas confirmou a falta de acordo, como desautorizou o Ministério da Agricultura. Quando jornalistas perguntaram por que este anunciara o do fim do embargo no dia 28 de novembro, após reunião em Moscou da qual participou o secretário de Defesa Agropecuária, Ênio Marques, a presidente afirmou que "o ministério da Agricultura estava equivocado".

Mas ela errou ao garantir que o embargo aos três estados só se refere à carne suína. Na realidade, é geral: carne de boi, de porco e frango.

- Por favor, não criem problema onde não tem. O embargo nos três estados é exclusivamente de carne suína e está no fim.

Esperava-se que os russos suspendessem o embargo durante a primeira visita oficial de Dilma ao país. Mas Putin nem tocou no assunto no único evento oficial diante da imprensa. Dilma, sentada ao lado de Putin, limitou-se a dizer :

- Expressei a expectativa pelo pronto restabelecimento do comércio de carne suína do nosso país e o fim do embargo aos três estados.

Na quinta-feira à noite, o secretário de Relações Internacionais do Ministério da Agricultura, Célio Porto, já admitia a dificuldade em convencer os russos :

- Fizemos tudo o que podíamos do lado técnico. Dependemos agora de negociações de alto nível.

Um dia antes de se encontrar com Putin, Dilma esteve com o premier Dimitri Medvedev e afirmou que, segundo ele, o assunto teria uma "solução positiva":

- Ele não me comunicou qual será a decisão final mas considerou que os produtores brasileiros tomaram todas as medidas.

E ontem, pouco antes de Dilma se encontrar com Putin, o presidente-executivo da Associação Brasileira de Produtores e Exportadores de Carne Suína (Abipecs), Pedro de Camargo Neto, disse que ficaria surpreso se o embargo não fosse suspenso.

Além do embargo aos três estados, os russos agora exigem um certificado de que a carne suína brasileira não tem ractamina, um aditivo aceito nos Estados Unidos, mas proibido na Rússia e na União Europeia (UE).

Associação vê desrespeito às normas da oie

Dilma também reagiu a um problema potencialmente maior: o anúncio de China, Japão e África do Sul de suspensão das importações de carne bovina do Brasil, depois da revelação recente de que uma vaca testou positivo para o agente causador do mal da vaca louca em 2010.

- Vamos batalhar para esclarecer, porque é um caso muito localizado, sem característica de doença de infecção. Vamos esclarecer e torcer para que o resultado seja o melhor para o produtor brasileiro. A Rússia não tocou nesse assunto (vaca louca) - garantiu.

Perguntada sobre a demora do governo em relatar o caso, Dilma afirmou que isso ainda está sendo analisado:

- A primeira informação que temos é a de que foram feitos vários exames, porque não havia uma caracterização precisa de que havia [a doença]. Está claro que é incipiente.

A presidente disse não temer um "efeito dominó", ou seja, que outros países também decidam suspender a compra de carne bovina brasileira, por precaução._E frisou:

- Não há epidemia. A informação técnica é que está absolutamente restrito a um episódio. É bom tratar disso com muita seriedade, porque senão criamos uma situação que não existe.

Para Camargo Neto, da Abiceps, a credibilidade do Brasil foi afetada com a demora em comunicar o caso, e o efeito dominó "já existe". Mas ele ressaltou que os três países que suspenderam as importações por conta da vaca louca são "insignificantes" do ponto de vista comercial.

Em Brasília, a Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec) informou que as restrições à carne bovina brasileira desrespeitam as normas e procedimentos da Organização Mundial de Saúde Animal (OIE). A Abiec está em permanente contato com o Ministério da Agricultura e no aguardo das justificativas pedidas pelo governo aos países que suspenderam as importações.

Em nota, a Abiec ressaltou que, juntos, Japão, África do Sul e China respondem por apenas 1,5% das exportações brasileiras do produto. De janeiro a novembro deste ano, o Japão comprou 1.610 toneladas de carne, ou 0,14% da exportação brasileira. A África do Sul importou uma fatia de 639 toneladas, ou 0,06%, e a China, 14.839 toneladas, ou 1,31%.

A associação também afirmou que, além da força-tarefa iniciada pelo governo, a iniciativa privada está fornecendo todas as informações técnicas pedidas pelos importadores. E ressaltou repudiar "o desrespeito às normas e procedimentos preconizados pela OIE".

Na quinta-feira, o Ministério da Agricultura havia informado que não apenas enviaria missões aos três países que aplicaram o embargo, mas que intensificará os contatos com os 20 maiores importadores da carne bovina brasileira. A preocupação do governo é com o impacto na balança comercial, justamente em um momento de demanda enfraquecida.

Os principais exportadores brasileiros de carne bovina afirmaram ontem que o embargo não afetará o setor no Brasil. A Marfrig disse em nota que as vendas para esses países continuarão, mas a partir de suas filiais na Argentina e Uruguai. A possibilidade de entregar a carne por outros países também é considerada pelo JBS, que tem unidades nos EUA e na Austrália. O Minerva Food, também em nota, frisou que a China representou apenas 0,5% do seu faturamento líquido nos últimos 12 meses.

Vítor Gonçalves, membro do grupo de epidemiologia da OIE e professor de medicina veterinária da Universidade de Brasília (UnB), explicou que o mal da vaca louca pode se manifestar em várias espécies, incluindo bovinos e seres humanos, mas não é transmissível de uma pessoa para outra.

Segundo o especialista, ao longo da História, há casos esporádicos da enfermidade, com um registro a cada 5 milhões de indivíduos. Nos anos 1990, no entanto, surgiu uma nova variação da doença no homem, associada ao consumo de carne infectada, na Inglaterra. Desde então, houve menos de 200 mortes, a maioria naquele país.

- Depois que ela foi controlada, os casos em humanos começaram a desaparecer. Hoje, o risco no mundo inteiro de o homem vir a se contaminar é praticamente nulo. Por isso, a OIE não estabelece qualquer restrição ao comércio - disse Gonçalves.