Título: Veto mantido por ora
Autor: Souza, André de; Fariello, Danilo;
Fonte: O Globo, 18/12/2012, Economia, p. 23

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luiz Fux determinou ontem, por liminar, a suspensão da análise dos vetos da presidente Dilma Rousseff ao projeto de lei que redistribui os royalties do petróleo, o que ocorreria hoje em sessão do Congresso. O ministro considerou a sessão de quarta-feira passada, que aprovou a urgência para análise dos vetos, uma "anarquia normativa" e determinou que, antes de debater o veto em questão, o Legislativo avalie os mais de três mil anteriores pendentes de avaliação, alguns há mais de dez anos.

No início deste mês, a presidente Dilma vetou artigo sobre a divisão dos recursos de campos já licitados, o que significaria quebra de contratos e imporia perdas bilionárias aos estados produtores. Representantes dos estados não produtores se articulam para derrubar o veto de Dilma.

O presidente do Congresso, senador José Sarney (PMDB-AP), suspendeu a sessão marcada para hoje, mas disse que vai recorrer da decisão para tentar colocar os vetos em votação antes do recesso de fim de ano, ou seja, até o fim desta semana. Serão duas medidas, um pedido de reconsideração e um agravo de instrumento para que o plenário do Supremo possa apreciar a matéria.

- Vamos recorrer, pedindo ao próprio ministro Fux a reconsideração. Trata-se de questão interna corporis. A sessão está cancelada - afirmou Sarney, aplaudido pelo plenário do Senado ao anunciar o recurso. Ele, porém, reconheceu que os prazos "são muito exíguos" para analisar o tema este ano

À noite, Sarney e o presidente da Câmara, deputado Marco Maia (PT-RS), conversaram sobre o assunto. A preocupação é como questionar a liminar sem abrir uma crise institucional com o Supremo.

ofensa a minorias

Em parecer que avalia tensões entre os ideais da democracia e do constitucionalismo, o ministro Fux acolheu mandado de segurança do deputado Alessandro Molon (PT-RJ) sobre a análise dos vetos. O ministro apontou ofensa a minorias parlamentares, violações à Constituição e ao regimento interno das Casas Legislativas no rito do Congresso. O deputado e demais participantes das bancadas do Rio e de Espírito Santo recorreram ao STF questionando a antecipação da análise dos vetos à lei dos royalties frente aos demais.

"O primeiro veto recebido e não apreciado tempestivamente sobrestou a deliberação de todos aqueles que o sucederam, os quais, portanto, se encontram insuscetíveis de serem decididos antes que os anteriores o sejam", declarou Fux na liminar. Ele anotou, ainda, que conforme a Constituição, todo veto presidencial é urgente, exigindo sua apreciação em ordem cronológica. "Daí por que não há, diante da Lei Maior, vetos mais ou menos urgentes. Todos o são em igual grau."

Na semana passada, em sessão tumultuada do Congresso, os estados não produtores conseguiram que a vice-presidente da Câmara, deputada Rose de Freitas (PMDB-ES), colocasse em votação a urgência da análise dos vetos. O pedido foi aprovado e, ontem pela manhã, Sarney chegou a marcar a votação para hoje à noite. Em jogo está a redistribuição dos royalties de campos novos e também os já licitados, o que, segundo o governo federal, fere a Constituição e o "direito adquirido" dos estados produtores, inclusive porque eles já teriam envolvido os recursos previstos em negociações com o próprio Tesouro Nacional.

Segundo Fux, por meio de nota à imprensa, a Mesa Diretora do Congresso Nacional, ao fazer a leitura do veto ao projeto dos royalties sem que a matéria estivesse na ordem do dia, "atuou sem amparo constitucional ou regimental, contribuindo para a controvérsia entre membros do parlamento". Em citação ao constitucionalista Cláudio Pereira de Souza Neto, ele apontou em sua decisão que, "em verdade, subterfúgios dessa natureza alimentam a desconfiança recíproca e frustram as condições necessárias à cooperação democrática no Estado brasileiro".

Na nota divulgada com a liminar, porém, Fux já rebateu a tese de que a resolução do tema seja privativa do Poder Legislativo, o que indica a expressão interna corporis. "A alegação de matéria interna corporis não deve impedir a análise judicial da questão debatida", afirmou. Para Fux, o fato de a matéria cuidar de interesse das maiorias parlamentares não legitima qualquer tipo de ruptura ou transgressão com as normas previamente estabelecidas pelo próprio corpo legislativo.

Com a manutenção por ora dos vetos, o Congresso volta a discutir a distribuição futura dos royalties de petróleo de campos ainda a serem concedidos no âmbito da Medida Provisória (MP) 592, que foi publicada pelo Executivo ao mesmo tempo em que os vetos foram anunciados. A MP mantém os percentuais de divisão previstos no projeto de lei vetado parcialmente, mas preserva integralmente as receitas pelos campos já licitados. Molon comemorou a decisão de Fux:

- Essa decisão é importante porque dá um basta na prática, que é inaceitável, de se escolher qual o veto será apreciado. Foi uma vitória política importante do Rio, porque mostra que mesmo o poder da maioria tem limites. É a proteção do direito dos estados produtores. Mas a decisão foi sobre o processo legislativo e não sobre o mérito dos royalties.

Assim que a decisão do ministro foi anunciada, o assunto tomou conta do plenário do Senado. Senadores de Rio e Espírito Santo comemoraram a liminar, que foi criticada pelos representantes dos estados não produtores de petróleo. O senador Lindbergh Farias (PT-RJ) afirmou que a decisão garante o direito da minoria:

- A minoria precisa ser respeitada. Houve atropelo do regimento e da Constituição.

Mesmo com o anúncio de que o Senado vai recorrer, o senador Francisco Dornelles (PP-RJ) está confiante de que esses vetos não serão apreciados tão cedo:

- No Brasil, três dias são três séculos. Não votando amanhã (hoje), já está ótimo.

Diante da interpretação que estava sendo feita por deputados e senadores de estados não produtores, Sarney esclareceu que a liminar de Fux impede apenas a apreciação de vetos fora da ordem cronológica, e não a votação do Orçamento da União para o ano que vem. Assim, os vetos não trancam a pauta do Congresso se não forem apreciados.

Mais cauteloso, o governador do Espírito Santo, Renato Casagrande (PSB), disse que a decisão do ministro Fux não representa uma vitória para os estados produtores, mas abre um espaço para reflexão no Congresso.

- O que o ministro Fux está dizendo ao Congresso é que ele errou no método, rompeu o regimento interno da Casa ao querer votar (o veto de Dilma) apressadamente. Não é uma vitória ainda, é hora de reflexão.

O governador capixaba afirmou que vai procurar pessoalmente hoje governadores e parlamentares para rediscutirem o pacto federativo, incluindo a questão dos royalties e mudanças no Fundo de Participações dos Estados (FPE). Ele disse ainda que, mesmo que o Congresso insista em derrubar o veto da presidente, cre que o Supremo decidirá a favor dos estados produtores.

O governador do Rio, Sérgio Cabral, preferiu não comentar a decisão do ministro. Cabral já afirmara que, se os vetos fossem derrubados, "não teria condições de governabilidade com R$ 3 bilhões a menos no orçamento em 2013".

O ex-ministro do STF Célio Borja frisa que a decisão sobre os royalties ainda não foi tomada, pois o veto de Dilma terá que ser apreciado.

- A decisão do ministro não resolve o problema de votar ou não o veto. Ele apenas está dizendo que a votação não deve ser feita com urgência.

Caso os vetos da presidente sejam mesmo derrubados pelo Congresso, São Paulo pode perder até R$ 5,2 bilhões nos próximos sete anos. A estimativa foi divulgada ontem pelo governador paulista, Geraldo Alckmin. Só este ano, segundo os números do governo, o Tesouro estadual e 102 municípios paulistas deverão arrecadar cerca de R$ 540 milhões com royalties .