Título: Especialistas divergem sobre eficácia do modelo
Autor: Jr, Gilberto Scofield
Fonte: O Globo, 16/12/2012, País, p. 4
A inauguração das duas primeiras Parcerias Público-Privadas (PPPs) de presídios no Brasil reacendeu o debate sobre os limites da participação da iniciativa privada no sistema penitenciário, o que já é uma realidade no país. Há hoje no Brasil 26 prisões em seis estados - Bahia, Sergipe, Santa Catarina, Espírito Santo, Tocantins e Amazonas - que são administradas por sete empresas privadas em contratos de cogestão. Com a entrada em funcionamento das PPPs, serão 19.428 presos cujas rotinas estarão sob o cuidado de empresas como Reviver Administração Penitenciária, Instituto Nacional de Administração Prisional (Inap), Montesinos, Auxílio, Socializa, Horizonte e Humanizari, além dos consórcios vencedores de contratos de PPP em Minas e Pernambuco. Todos empregam cerca de cinco mil pessoas.
O número de presos em presídios privados equivale a 3,5% do total de 549.577 que formava a população carcerária no Brasil em junho deste ano, segundo dados do Ministério da Justiça. O primeiro presídio a ser privatizado foi a Penitenciária Industrial de Guarapuava, no Paraná, em 1999, uma iniciativa do então governador Jaime Lerner. O governo federal mantém silêncio sobre o tema e não dispõe de indicadores comparativos entre presídios públicos e privados, mas o potencial de crescimento das privatizações já mobiliza defensores e críticos no Congresso Nacional e nas assembleias legislativas estaduais. Uma das principais críticas que se faz à privatização dos presídios é o conflito ético-filosófico-criminal da prática: como uma instituição que tem como objetivo básico o lucro pode cuidar do processo de execução penal de um ser humano, sua privação de liberdade, e bancar sem mesquinharia o seu processo de ressocialização?
- Sou contra a prática, apesar do estado lastimável dos presídios públicos no Brasil - diz Carlos Weis, coordenador do Núcleo de Cidadania e Direitos Humanos da Defensoria Pública de São Paulo e ex-membro do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária. - Vejo um potencial grande de corrupção, como políticos que são cooptados por indústrias de armamentos e que podem ser cooptados por empresas de administração de presídios. Além disso, quando o sistema prisional vira um negócio, há uma tendência de endurecimento da legislação para aumentar a população carcerária, o que vai no sentido contrário do que estão fazendo países mais desenvolvidos, de estabelecer punições alternativas ao encarceramento.
- Há uma ideia firmada de que o Estado não sabe administrar nada, o que é uma falácia. A prerrogativa da garantia da segurança é do Estado pela Constituição, então, não se pode colocar o sistema prisional, que faz parte disto, em mãos privadas - diz Alessandra Teixeira, presidente da Comissão de Sistema Prisional do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais.
- Não há indicadores que provem que os índices de ressocialização no país sejam maiores entre presos que vêm de presídios administrados pela iniciativa privada. - afirma a socióloga Julita Lemgruber, ex-diretora do Departamento do Sistema Penitenciário. - A privatização aumenta a sensação de que o problema do crime está sendo resolvido e diminui o ímpeto das autoridades de pensarem alternativas para melhorar o sistema de ressocialização e prevenção do crime.
- Há registros de torturas e maus-tratos de presos em unidades administradas pela iniciativa privada. Em alguns, pela lógica de maximizar o lucro, presos possuem dois minutos para tomar banho, já que a ideia é economizar água o máximo possível - diz o advogado José de Jesus Filho, assessor jurídico da Pastoral Carcerária.
Custo alto em presídios federais
Os argumentos a favor da privatização também são muitos. Em primeiro lugar, ponderam os defensores, o estado lastimável das prisões brasileiras, superlotadas e palco de abusos variados contra os direitos humanos mais básicos, evidenciam a incapacidade do Estado de lidar com o problema. E o cenário só tende a piorar com a pressão da sociedade por penas mais severas - incluindo o encarceramento - para crimes de todos os tipos.
- O custo dos presos nas penitenciárias administradas pela iniciativa privada varia em torno de R$ 3 mil, enquanto os presídios federais gastam entre R$ 4 mil e R$ 7 mil por preso, incluindo o custo da construção dos presídios. Os índices de reincidência no crime, entre presos advindos das penitenciárias públicas, é em torno de 60%, enquanto entre as penitenciárias administradas pela iniciativa privada a taxa cai para cerca de 15% - diz Odair Conceição, sócio da Reviver e presidente da Associação Brasileira das Empresas Especializadas na Prestação de Serviços a Presídios.
- O sistema prisional se tornou um desastre na recuperação de presos no Brasil. No mundo, os indicadores são relativos, mas os melhores casos são vistos em presídios administrados pela iniciativa privada. A resistência ao modelo é basicamente ideológica, mas a gente não pode esquecer que o Estado está no controle da execução e fiscaliza o agente penitenciário privado - diz Luiz Flávio D"Urso, presidente da seção paulista da Ordem dos Advogados (OAB-SP).