Título: Impasse estende negociação sobre clima
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Fonte: O Globo, 08/12/2012, Mundo, p. 43

Encerramento fica para hoje, na tentativa de evitar fracasso em Doha

DOHA Como já virou tradição, os representantes de quase 200 países reunidos para negociações do clima da ONU não conseguiram chegar a um acordo no prazo previsto e decidiram prorrogar as conversas na tentativa de evitar um fracasso total. Inicialmente prevista para acabar ontem, a 18ª Conferência das Partes da Convenção do Clima das Nações Unidas (COP-18), que acontece desde a segunda-feira da semana passada em Doha, Qatar, entrou pela madrugada de hoje e continua pelo menos até esta tarde, quando os negociadores esperam ter em mãos um texto que apresente algum avanço no combate ao aquecimento global.

No foco das discussões de última hora em Doha estão a definição de valores da ajuda financeira dos países ricos para os mais pobres enfrentarem as consequências das mudanças climáticas e adotarem tecnologias mais limpas e sustentáveis; um segundo período de compromisso do Protocolo de Kioto, tratado fechado em 1997 que estipulou cortes e limites para emissão de gases causadores do efeito-estufa pelas nações mais desenvolvidas e cuja vigência termina em 31 de dezembro; e o início dos trabalhos em torno de um novo tratado do tipo, mas que inclua também metas de emissões para os países emergentes e em desenvolvimento, que deverá ser assinado em 2015 e entrar em vigor a partir de 2020.

- Nunca haverá ambição suficiente - reconheceu Christiana Figueres, chefe do Secretariado para Mudanças Climáticas da ONU. - O fato é que a resposta política internacional está fundamentalmente atrasada com relação a onde a ciência diz que estamos. Se olharmos para esta diferença, sempre haverá algum atraso, e este é o motivo da frustração.

Mesmo com o Protocolo de Kioto ainda em vigor, as emissões globais de gases-estufa devem subir 2,6% este ano, atingindo uma marca mais de 50% superior aos níveis registrados em 1990, usado como ano-base no tratado. Isso porque grande parte deste crescimento veio de países emergentes como China e Índia, que não estão sujeitos às limitações impostas em Kioto e hoje respondem por mais da metade das emissões mundiais. E mesmo que o segundo período de compromisso seja acertado em Doha, o seu alcance será ainda menor. Os Estados Unidos, segundo maior emissor mundial e um dos signatários do Protocolo de Kioto, nunca ratificaram sua participação no tratado e continuarão sem metas obrigatórias, enquanto Japão e Canadá abandonaram o tratado no ano passado, e a Rússia anunciou que não aceitará participar de sua extensão. E como os países emergentes permanecerão livres de metas obrigatórias, ficarão sob a égide de Kioto só União Europeia, Austrália, Noruega, Suíça e um punhado de outros países mais desenvolvidos responsáveis por apenas cerca de 15% das emissões totais de gases-estufa.

Já com relação à questão do financiamento, as nações mais pobres cobram das mais ricas um maior comprometimento com a definição do volume de recursos que colocarão à disposição e que deve alcançar US$ 100 bilhões anuais em 2020. Acertado na reunião do clima da ONU realizada em 2009 em Copenhague, o mecanismo previa uma ajuda emergencial de US$ 10 bilhões ao ano para o período 2010-2012 que deveria ser gradualmente reforçada até chegar ao valor previsto para 2020, mas nunca ficou definido como isso seria feito. Agora, diante das seguidas crises econômicas globais e problemas orçamentários internos, os países desenvolvidos não estão dispostos a se comprometerem com valores específicos para esta ajuda.

Num dos poucos avanços registrados ontem, no entanto, os países da União Europeia conseguiram chegar a um acordo sobre o que fazer com o chamado "ar quente", as autorizações para poluir obtidas principalmente pelos países do Leste Europeu com a forte queda nas suas emissões após abandonarem o comunismo e que podem ser negociadas no mercado de carbono do continente. A Polônia não estava disposta a abrir mão destas permissões, e o grupo decidiu que o país poderá ficar com elas, mas enfrentará limitações para sua venda.