Título: Doente, Chávez indica sucessor
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Fonte: O Globo, 10/12/2012, Mundo, p. 30

Presidente tem recaída e nomeia o vice Nicolás Maduro como seu herdeiro político

Solene. Chávez beija crucifixo durante o pronunciamento oficial na noite de sábado, em que admitiu a reincidência

Incerteza na venezuela

Caracas Apenas dois dias após retornar de Cuba, o presidente Hugo Chávez anunciou que sofre uma nova reincidência do câncer na região pélvica detectado em 2011 e do qual já se declarara completamente curado duas vezes. Num comunicado emocionado, transmitido em cadeia nacional, o governante admitiu pela primeira vez que pode ter de deixar o comando da Venezuela devido à doença, sem cumprir sequer o atual mandato, que termina em um mês, e indicou o vice-presidente e chanceler, Nicolás Maduro, como seu sucessor e herdeiro político. Chávez viajaria ainda ontem a Cuba, onde, segundo ele, passará por uma nova e delicada cirurgia. A Assembleia Nacional realizou ontem uma sessão extraordinária para aprovar a viagem, e milhares de pessoas saíram às ruas de Caracas em apoio ao chefe de Estado.

Esta será a quarta cirurgia de Chávez desde junho de 2011 e a terceira para a retirada de um tumor, de origem nunca revelada. Todo o tratamento tem sido realizado em Havana, de onde ele retornara na sexta-feira. Durante a visita, ele teria feito uma "revisão exaustiva".

- Lamentavelmente, nesta revisão exaustiva surge a presença, na mesma área afetada, de algumas células malignas, novamente - disse Chávez no pronunciamento no palácio presidencial, na noite de sábado.

Na semana passada, os rumores sobre a piora de seu estado de saúde haviam atingido um novo pico, quando o presidente, após três semanas de silêncio, faltou à primeira cúpula de chefes de Estado do Mercosul desde que a Venezuela se tornou membro pleno do bloco. Embora nunca tivesse falado em sucessão forçada, Chávez, desde que reconheceu a doença, adotou algumas medidas que sinalizavam essa possibilidade. Em maio deste ano, pediu uma emenda à Constituição que garantisse a permanência das missões bolivarianas, seus principais programas sociais. No mesmo mês, criou um conselho assessor de governo.

Segundo o jornalista venezuelano Nelson Bocaranda, a situação pode ser demasiado grave para uma intervenção cirúrgica e uma junta extraordinária de médicos, incluindo brasileiros, avaliaria hoje a viabilidade da operação.

maduro recebe espada de bolívar

O presidente Chávez deu a entender que há urgência na intervenção. Segundo ele, sua equipe médica queria ter feito a operação na sexta-feira ou no fim de semana. Ele, contudo, diz que precisava pedir a autorização da Assembleia Nacional e comunicar o povo sobre a sua situação. Evitou, porém, dar detalhes, como faz desde o início da doença.

Reeleito para mais um mandato de seis anos cuja posse está prevista para o dia 10 de janeiro, Chávez admitiu que pode não chegar a cumprir o atual e que, nesse caso, Maduro deveria assumir "para terminar os poucos dias que restam". Como a situação também obrigaria à convocação de novas eleições, Chávez exortou seus simpatizantes a votarem no vice.

- É minha opinião firme, plena, irrevogável, absoluta e total que, nesse cenário vocês elejam Nícolas Maduro como Presidente da República. Peço de coração.

O caso, no entanto, pode ficar para o Supremo Tribunal de Justiça, já que a Constituição estabelece que o presidente da Assembleia, Diosdado Cabello, assuma e convoque eleições.

Ex-motorista de ônibus, ex-sindicalista e chanceler desde 2006, Maduro é um dos membros do governo mais próximos do líder venezuelano e fiel aos princípios políticos chavistas. O presidente já o nomeara vice logo depois de conquistar a reeleição, em 7 de outubro. Ontem, descreveu-o como um "revolucionário completo" e, num gesto carregado de simbolismo, entregou-lhe a espada de Simón Bolívar, o líder da independência.

Com a escolha de Maduro, Chávez colocou para escanteio outros nomes do PSUV, como Diosdado Cabello, que foi seu companheiro de armas. Atento à possibilidade de luta interna pelo poder, Chávez pediu união. Cabello, reconhecido por sua fidelidade ao presidente, afirmou que está "a serviço do vice-presidente e a serviço da pátria".

Alguns analistas acreditam que numa eventual nova eleição a oposição chegaria mais fortalecida do que nunca desde que Chávez chegou ao poder, em 1999. O último pleito, em outubro, foi o mais disputado nesse período: Henrique Capriles, governador de Miranda, teve 45% dos votos. Ele seria o candidato natural em uma eventual disputa com Maduro, que tem a seu favor, além da bênção política de Chávez, o apelo popular da origem humilde.

Sobre o anúncio de Chávez, Capriles disse que é preciso "estar abraçado à democracia, à Constituição e à institucionalidade" e rechaçou "aventureiros". Mas alegou não estar "fazendo contas".

- Na Venezuela não existe sucessão. Todas as questões são resolvidas pelo povo - disse Capriles.

Além de provocar uma indefinição em nível nacional, o agravamento da doença de Chávez irá coincidir com as eleições regionais, que ocorrem no domingo. Nelas, os candidatos governistas levam vantagem e ameaçam, inclusive, conquistar estados hoje administrados pela oposição. O impacto da nova operação do presidente nesse pleito ainda é incerto.