Título: EUA recuperam-se apoiados em muletas
Autor: Allan, Ricardo
Fonte: Correio Braziliense, 15/10/2009, Economia, p. 16

Dois grandes estímulos ¿ juros baixos e incentivos fiscais ¿ ajudam os Estados Unidos. Mesmo assim, desemprego subirá para 10,5%

A combalida economia dos Estados Unidos vai encarar um momento de definição nos próximos meses. A equipe econômica e analistas privados temem pela reação dos consumidores à extinção gradual dos cortes de impostos, que estimularam as vendas e a atividade empresarial. Se o consumo, responsável por até 70% da atividade no país, fraquejar demais, o presidente Barack Obama terá que negociar com o Congresso a aprovação de um novo pacote multibilionário de incentivos. Além disso, a piora nas contas públicas, o desemprego recorde e as incertezas quanto à saúde do setor financeiro devem limitar o crescimento até 2020. Um quadro bem diferente do brasileiro, que já superou a perda de empregos provocada pela crise mundial (leia mais na página 17).

¿Este é um momento muito delicado. Até agora, a economia norte-americana está andando apoiada em duas grandes muletas. A primeira é o estímulo fiscal, que vai começar a perder força, deixando de ser significativo até o primeiro trimestre do ano que vem. A segunda é a política monetária, com juros a zero e injeção de recursos no mercado. Essa deve demorar um pouco mais para ser retirada¿, avalia o economista Fernando Sampaio, sócio-diretor da LCA Consultores. Antes da crise, o governo pedia moderação nas compras. Agora é o momento de liberar o consumo para evitar uma estagnação como a japonesa, que já dura duas décadas.

Para Sampaio, a recuperação econômica nos EUA vai depender de até que ponto os trabalhadores retomaram a confiança. Só assim eles vão voltar a consumir no nível necessário para que o país saia do atoleiro. Na avaliação do analista, a taxa de desemprego, hoje em 9,8%, deve ultrapassar os 10% e vai demorar a cair. ¿Isso é muito preocupante, pois a queda no emprego e na renda vai continuar a funcionar como um freio para o consumo por algum tempo. Essa recessão é mais grave do que as outras e é menos provável uma retomada forte¿, diz. O outro limitador é a confusão no sistema financeiro. ¿Ninguém sabe ao certo o que está acontecendo dentro dos bancos.¿

Ontem, o JP Morgan Chase anunciou que teve um lucro de US$ 3,6 bilhões no terceiro trimestre, o que foi recebido pelo mercado como um sinal de recuperação do setor bancário. A LCA estima uma retração de 2,5% no Produto Interno Bruto (PIB) norte-americano neste ano, mas um crescimento de 2,2% em 2010 e de 2,3% em 2011. A Tendências Consultoria aposta num resultado igual para 2009, mas uma retomada bem mais lenta a partir daí, com expansão de 1% no ano que vem e de 2% no seguinte. ¿A economia dos EUA vai sair do buraco, mas muito gradualmente. Só quando o emprego e a renda se recuperarem, o que ainda vai demorar um pouco¿, diz a economista Alessandra Ribeiro, da Tendências.

Desemprego

Especialista na área internacional, Alessandra prevê que a taxa de desemprego chegue a 10,5% no início de 2010, o que vai conter o consumo. Em agosto, a renda subiu 1,3% por causa das isenções tributárias e da deflação, mas caiu 2,6% em relação a 2008. Ela aponta outros fatores negativos no cenário. O crédito para as empresas e os trabalhadores ainda não voltou a fluir, porque os bancos estão resistentes e a procura por financiamentos também está baixa. As indústrias estão utilizando apenas 69,6% da sua capacidade produtiva, o nível mais baixo desde 1980. Então, não vão investir agora.

O descontrole nas contas públicas pode levar o Federal Reserve (Fed, o banco central dos EUA) a elevar os juros para segurar a inflação. Mas isso só deve ocorrer no fim de 2010, com vistas à contenção de preços em 2011. Até lá, o cenário inflacionário é tranquilo. ¿Quem está financiando a expansão fiscal do governo é o Fed, que compra títulos do Tesouro. Em algum momento, ele vai ter que vender esses papéis para tirar dinheiro do mercado e evitar a inflação. O resultado de tudo isso é uma limitação do crescimento potencial¿, diz Alessandra. Segundo projeções do mercado, o déficit público será de 11% do PIB neste ano e a dívida saltará de 48% do PIB em 2008 para 58%, chegando a 67% em 2010.

Alessandra cita algumas notícias boas, como o crescimento de 2,2% nas vendas no varejo em agosto. Em setembro, o indicador caiu 1,5% por causa do fim dos incentivos à troca de carros. A produção industrial subiu 1% em julho e 0,8% em agosto. O auxílio para que os trabalhadores comprem a primeira residência estimulou as vendas de imóveis. ¿A economia já está se recuperando lentamente e deve crescer entre 2% e 3% anualizados no terceiro trimestre. Mas não há motivos para otimismo desenfreado¿, diz. O Fed divulgou ontem relatório prevendo uma retomada ¿limitada¿ e prometendo uma vigia ¿cuidadosa¿ das expectativas de inflação.

Bovespa e Bolsa de Nova York sobem

Uma safra de dados econômicos e corporativos surpreendentemente positivos produziu saraivadas de ordens de compra de ações nas bolsas do mundo inteiro, movimento copiado pela bolsa paulista, que buscou os maiores níveis em quase 16 meses. O Ibovespa, índice com as ações mais importantes da bolsa brasileira, subiu 2,41%, fechando o dia a 66.201 pontos. O giro financeiro da sessão totalizou R$ 14,56 bilhões. O volume foi turbinado pelo vencimento dos contratos de índice futuro. No plano doméstico, dados do Ministério do Trabalho endossaram a sensação de melhora da economia ao mostrarem que o país criou 252.617 postos de trabalho em setembro, no oitavo mês consecutivo de expansão (leia na página 17). Os investidores de Wall Street, que já vinham otimistas com resultados trimestrais acima das expectativas de empresas como Intel e JP Morgan, ficaram eufóricos. Com isso, o índice Dow Jones da Bolsa de Nova York subiu 1,47%, para cima dos 10 mil pontos pela primeira vez desde setembro do ano passado.

E EU COM ISSO A recuperação econômica dos Estados Unidos é fundamental para que o mundo supere a crise, saia da recessão e comece a crescer num ritmo mais acelerado. Responsáveis por um quarto da geração de riquezas do planeta, os norte-americanos importam produtos de diversos países e investem muito dinheiro em empreendimentos e nos mercados financeiros externos. Com seu empobrecimento, a capacidade de destinar recursos às nações emergentes, seja por meio do comércio ou de aplicações financeiras, fica reduzida. Isso prejudica a produção industrial, a agropecuária e a expansão do emprego e da renda mesmo entre aqueles que diminuíram sua dependência dos EUA, como o Brasil. (RA)