Título: Melancolia institucional
Autor: Queiroz, Gustavo Huguenin
Fonte: O Globo, 01/01/2013, Opinião, p. 15

O ano de 2012, marcado por instabilidades político-jurídicas, não poderia ter acabado de modo mais melancólico: terminou sem que tenha sido aprovado o orçamento para 2013. Não é a primeira vez que isso acontece. Em 2000, no governo de Fernando Henrique Cardoso, a lei orçamentária foi publicada apenas em 12 de maio.

A LOA (Lei de Orçamento Anual) é peça-chave de qualquer nação democrática, à medida que nela estão fixadas as despesas e estimadas as receitas para o vindouro exercício financeiro. A existência de uma lei dessa envergadura é o que materializa os postulados de planejamento e transparência que devem animar a gestão pública, sendo estes os pilares sobre os quais se assenta a Lei de Responsabilidade Fiscal.

Não fosse a ausência da LOA um indício suficientemente grave de que a República vai mal das pernas, o que preocupa mesmo é o que antecede a sua não aprovação. Isso porque 2012 foi marcado por manifestações de forças dissonantes entre os poderes constituídos.

Na seara legislativa uma mesquinha disputa partidária, cujo ponto de partida é difícil de ser apontado com precisão - não é possível dizer se o estopim foi o julgamento do processo do mensalão ou a ausência de consenso quanto à distribuição dos royalties de petróleo -, impediu que a base aliada ao governo da presidente Dilma Rousseff e oposição chegassem a uma proposta final que, muito embora não seja capaz de atender aos anseios de todas as partes, seja ao menos indicativa de atendimento ao interesse público.

Tal instabilidade não fica restrita ao âmbito doméstico. A notícia, por certo, ecoará pelo mundo globalizado, passando mais uma vez a imagem de um país que ainda busca solidez democrática, o que, indubitavelmente, pesa quando da análise de possíveis investimentos estrangeiros, posto que é flagrante a ausência de valores republicanos solidificados.

Senadores e deputados põem seus interesses pessoais acima dos do Estado brasileiro. Não está sedimentada em nossa República a crença de que os congressistas nada mais são que mandatários do povo, cujo instrumento do mandato é o voto. Quem tem mandato age em nome de outrem, o mandante. Entre nós o mandante maior e último é o povo, enquanto elemento subjetivo do Estado, sua célula viva, ativa e mutante.

Em abordagem mais acurada, a não aprovação da LOA para o exercício de 2013 importa em transgressão à Carta da República, tendo em vista que o artigo 35, parágrafo 2º, III, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, determina que a mesma seja aprovada até o final da sessão legislativa do ano que antecede sua vigência. Desse modo, como o ano legislativo no Brasil se encerrou em 22 de dezembro, esse era o prazo final para que o projeto de lei orçamentária tivesse retornado ao Executivo para análise das emendas, vetos, sanção e publicação.

Vale ressaltar, ainda, que não há, no Texto Maior, reprimenda para a não aprovação da LOA pelo Legislativo, haja vista que o constituinte originário previu, apenas, a não aprovação do projeto de lei de diretrizes orçamentárias (LDO) como causa obstaculizante do recesso parlamentar.

Nessa esteira, deve ser mencionado, também, que não há óbice jurídico à convocação de uma sessão legislativa extraordinária do Congresso Nacional. Aliás, até o ano de 2006 o Legislativo federal era pródigo em convocações extraordinárias, movimento que restou esfriado pela emenda à Constituição n.º 50, a partir da qual não mais se faz possível o pagamento de parcela indenizatória em razão da convocação extraordinária.

Seja como for, a má vontade política - e até mesmo falta de habilidade - é evidente. A inércia do Legislativo, a subversão do verdadeiro papel do mandatário do povo, por mais uma vez conferirá legitimidade a medidas provisórias que porventura venham a ser editadas pela Presidência da República.

De arremate, veicula-se a promessa de que a votação do Orçamento para 2013 ocorra em 5 de fevereiro próximo. Até lá, presente tal cenário político-jurídico, nossa ainda incipiente democracia agoniza.